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Editorial

Companheiros

Talvez para aliviar a angústia de estar em um local onde se respira economia de mercado, a presidente Dilma Rousseff trocou Davos, na Suíça, onde participou do Fórum Econômico Mundial, por Cuba, onde ela inaugurou, no dia 27, a primeira etapa do bilionário Porto de Mariel, ao lado de Raúl Castro. A maior obra realizada em Cuba desde a revolução de 1959 tem pesada participação brasileira: aos US$ 802 milhões emprestados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se juntarão mais US$ 290 milhões de financiamento anunciado por Dilma durante a inauguração. Por mais que quase todo esse dinheiro deva necessariamente ser gasto com fornecedores brasileiros (é a Odebrecht, por exemplo, que está construindo o porto), muitos questionam o fato de o governo estar usando cerca de R$ 2,5 bilhões (em valores de hoje) para financiar infraestrutura e gerar empregos em um outro país.

Para colocar em perspectiva o dinheiro que está sendo investido em Mariel, vale a pena fazer a comparação com os anúncios no setor de infraestrutura e logística anunciados no Brasil. O Programa de Investimento em Logística (PIL), divulgado pelo governo em agosto de 2012, previa R$ 133 bilhões em um prazo de 30 anos – em média, R$ 4,43 bilhões por ano para rodovias e ferrovias em um país inteiro. Em dezembro daquele mesmo ano, foi lançado o PIL – Portos, que destinaria R$ 54,2 bilhões, entre 2014 e 2017, a 31 portos (média de R$ 1,75 bilhão por porto). Ou seja, são raras as obras no Brasil – um país com gravíssimas deficiências de infraestrutura, como todos sabemos – que contam com financiamento semelhante ao de Mariel.

O porto, aliás, não é o único caso de generosidade brasileira para com Cuba. No dia 27, a Folha de S.Paulo revelou que o Brasil oferece anualmente um crédito de US$ 500 milhões, via BNDES e Banco do Brasil, para que a ilha dos Castro possa importar produtos e serviços brasileiros. E, em maio de 2013, os dois governos assinaram um memorando de entendimento para o financiamento de obras em cinco aeroportos cubanos, no valor de US$ 176 milhões.

Também preocupante é a tendência cubana de não pagar suas dívidas, levando credores a abrir mão de boa parte do dinheiro a que têm direito. Nos casos mais recentes, ocorridos no fim do ano passado, o México perdoou 70% da dívida cubana de US$ 500 milhões, contraída há mais de 15 anos, e a Rússia anulou 90% de uma dívida de US$ 32 bilhões. Pelo acordo com o Kremlin, Cuba deverá enviar US$ 3,2 bilhões, ao longo de dez anos, para Moscou. E, mesmo assim, diplomatas russos duvidavam da capacidade cubana de dispor de US$ 320 milhões anuais para o pagamento. Portanto, não é desprezível o risco de que o dinheiro emprestado por Dilma aos Castro acabe se tornando investimento a fundo perdido. Vale a pena fazer negócio nessas circunstâncias?

Para os Castro, a mãozinha amiga de Dilma é um ótimo negócio, já que a Venezuela bolivariana, que até há pouco usava e abusava do dinheiro do petróleo para patrocinar a ditadura cubana, já não consegue nem sequer colocar papel higiênico nas prateleiras dos mercados. A Venezuela, inclusive, já tinha substituído um padrinho anterior, a União Soviética, que ruiu pouco mais de 20 anos atrás. Para o PT, é a oportunidade de retribuir o treinamento guerrilheiro que alguns de seus líderes receberam durante o regime militar brasileiro, quando os grupos da luta armada sonhavam em instalar no Brasil uma ditadura semelhante à cubana. Resta saber quanto esse companheirismo todo pode custar aos brasileiros.

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