O Brasil é um dos signatários da memorável "Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana", promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948. Assinar é um ato de concordância com seus prefeitos que se transforma em obrigação de defendê-los. Obedecer a tratados tão solenemente firmados quanto este, especialmente em razão da nobreza das causas que defende, é, pois, o que deveria fazer o Brasil e seus representantes, a despeito de quaisquer conveniências ou oportunismos. Ao agir assim, alçamo-nos à condição de país a ser respeitado como um dos entes civilizados no concerto mundial.
Pois bem: esta pequena introdução leva-nos imediatamente a avaliar o que acaba de acontecer em Cuba, nestes dias em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumpriu sua quarta visita oficial à ilha de Fidel Castro. Por constrangedora coincidência, o dia da chegada marcou a morte de um dos muitos dissidentes do regime castrista que, mesmo do interior dos presídios a que estão confinados cumprindo penas por "delito de opinião", lutam pela restauração das liberdades políticas há 51 anos suprimidas a mão de ferro pela Revolução Cubana.
Trata-se do pedreiro Orlando Zapata Tamayo, 42 anos, um dos 75 dissidentes condenados em 2003 por sua luta em favor dos direitos humanos. A pena inicial, de três anos, foi estendida para mais de 35 anos, após as autoridades cubanas terem-no acusado também de "desacato", "desordem pública" e "resistência". Em sinal de protesto e com o fim de chamar a atenção mundial, Tamayo iniciou greve de fome em dezembro passado e morreu à míngua, sem atendimento adequado para lhe preservar a vida, horas antes de o presidente brasileiro ser recebido por Raúl Castro e pelo aposentado ex-comandante Fidel Castro.
Lula não foi capaz de nenhuma palavra sensata de solidariedade à vítima, à família da vítima ou, ao que é ainda mais grave, às nobres causas que levaram a Tamayo à morte. Claro, não aprovamos em quaisquer circunstâncias o ato extremo de eliminar a própria vida mas que não se desconheça que sua morte tornou-se símbolo trágico de outra causa nobre, pela qual o Brasil se comprometeu lutar a causa da liberdade e do respeito absoluto aos direitos humanos.
Do pouco que disse o nosso presidente, aliás, sempre a muito a contragosto, quase nada restou a não ser afirmações que descambaram para a ironia e para o desapreço pela situação. Entre outras frases perpetradas por Lula, o seu "lamento profundo" diante do fato de "uma pessoa [que] se deixa morrer por uma greve de fome", ao mesmo em que lembrou que se opunha a esse tipo de protesto muito embora tenha recorrido ao mesmo expediente quando, ainda líder sindical no Brasil, ficou preso por alguns dias em dependências do regime militar.
Tão constrangedor quanto a tergiversação referente aos pontos centrais do trágico acontecimento, foi negar ter recebido pedidos de ajuda de instituições que lutam pelos direitos humanos em Cuba e fora dela. Negou, por exemplo, que os 50 presos políticos lhe escreveram no domingo para alertá-lo da gravidade do estado de saúde de Tamayo e para pedir que intercedesse pela libertação deles todos. "As pessoas precisam parar com o hábito de fazer cartas, guardarem para si e depois dizerem que mandaram para os outros", reclamou. "Se essas pessoas tivessem falado comigo antes, eu teria pedido para ele parar a greve e quem sabe teria evitado que ele morresse."
Certo presidente. O senhor não sabia dos acontecimentos. Mas, se soubesse, seu gesto embora necessário de pedir ao dissidente que renunciasse à imolação, poderia ter sido seguido por uma manifestação no mínimo de lamento, mas não dizer de cabal condenação, à política de desrespeito aos direitos humanos praticado com mão de ferro pelo regime castrista. A linguagem diplomática, comedida, como se requer nesses momentos, certamente não seria impeditivo para o protesto.
Diz o artigo 2.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento também firmado por Cuba: "Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição."
Lastimável que nosso presidente não tenha atentado para este compromisso que soberanamente o Brasil assumiu.