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Editorial

Concurso com ideologia

No último domingo, quase 25 mil pessoas fizeram um concurso do Ministério da Fazenda, disputando cargos de analista técnico-administrativo, arquiteto, contador, engenheiro e pedagogo. Os candidatos encontraram, na prova, uma questão sobre a reforma política e que, dentre cinco afirmações, pedia que a alternativa correta fosse apontada. Até aí, não haveria maiores problemas – afinal, o tema é atual e sua inclusão na prova não causaria surpresa. A resposta verdadeira, no entanto, era "O Partido dos Trabalhadores (PT), atualmente no comando do Executivo Federal e com forte bancada na Câmara dos Deputados, defende o financiamento das campanhas eleitorais com recursos públicos". Nenhuma das outras alternativas citava outros partidos políticos; na prática, bastava conhecer o programa partidário petista para se sair bem na questão. Na terça-feira, o deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ) entrou com representação no Ministério Público Federal contra o concurso.

Uma questão de concurso pode parecer coisa pouca, mas reflete uma tendência maior. É consequência da confusão entre Estado e partido, uma prática comum nesses dez anos em que o aparelhamento do setor público se tornou a norma. Já houve casos semelhantes em outras ocasiões. No ano passado, por exemplo, a Gazeta do Povo denunciou, neste mesmo espaço, o risco de as redações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se tornarem instrumentos de propaganda da ideologia do governo, pois um texto poderia ser zerado se apresentasse "desrespeito aos direitos humanos" – palavreado aparentemente bem-intencionado, mas que escondia o fato de o governo atual ter uma visão bem específica sobre o tema. Afinal, a versão inicial do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), lançado em 2009, defendia a legalização do aborto, a relativização do direito à propriedade rural e o controle dos meios de comunicação; o texto só foi alterado depois de grande pressão popular. Se declassificar um candidato por suas opiniões já é questionável – o objetivo tradicional da prova de redação é avaliar a capacidade de argumentação do candidato, e não a opinião em si –, os organizadores do Enem nunca deixaram claro que liberdade o estudante teria para discordar da cartilha petista. E isso evidentemente influencia a preparação dos alunos para a prova.

A rigor, boa parte dos professores nem precisaria desse empurrão governamental para impor ideologia aos alunos. Em 2008, o instituto CNT/Sensus ouviu 3 mil pais, alunos e professores e descobriu que metade dos docentes assumia ter um discurso "politicamente engajado". Entre os alunos, 86% diziam que Che Guevara tinha tratamento positivo em sala de aula, porcentagem que era de 65% para Lenin e 51% para Hugo Chávez. Discípulos de Antonio Gramsci e Paulo Freire já ocupavam as escolas muito antes de o PT chegar ao Planalto, e isso ajuda a entender por que não são apenas questões de concursos públicos e provas governamentais que apresentam esse viés. Em 2007, a Gazeta do Povo já mostrava que o material didático de escolas particulares e vestibulares de faculdades privadas também tinha conteúdos de forte cunho ideológico – sempre favorável à esquerda.

Para Gramsci, era fundamental que os socialistas ocupassem espaço nas escolas e outras instituições, como as religiosas, para desmoralizar as tradições que consideravam nocivas e implantar, pouco a pouco, uma nova forma de pensar que abrisse caminho para a hegemonia política. Uma estratégia que, a julgar pelo cenário brasileiro, foi bem-sucedida, mas que precisa ser continuamente aplicada para que seus resultados não se percam. Uma sutil ideologização que foi ignorada pela sociedade durante décadas, mas contra a qual é preciso reagir.

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