Pantomima. Este é o nome que se deve dar ao que ocorreu na segunda-feira, dia 3, com a peculiar “condenação” de Ezequias Moreira – o amigo da família e auxiliar do governador Beto Richa que, durante uma década, manteve a sogra como funcionária fantasma da Assembleia Legislativa para locupletar-se pessoalmente com os salários – isto é, dinheiro público – depositados religiosa e mensalmente em conta por ele aberta. A história ficou conhecida como o “caso da sogra fantasma”.
O Ministério Público Estadual moveu contra Ezequias duas ações: uma cível, outra criminal. Flagrado na irregularidade, Ezequias livrou-se da condenação na primeira ao, voluntariamente, devolver aos cofres da Assembleia quase R$ 539 mil em valor vigente em 2008. A devolução, no entanto, não o desobrigou de responder a processo que, desde a mesma época, tramitava na Justiça criminal, com inescapável chance de vir a ser condenado em razão de sua condição de réu confesso.
Em 2013, como diretor da Sanepar, mas sem prerrogativa de foro, Ezequias parecia prestes a ser condenado em primeira instância. O que se fez? Poucos dias antes de uma audiência na qual a sentença poderia ser proferida, o governador nomeou o amigo para a secretaria de Estado de Cerimonial, dando-lhe foro privilegiado – a partir de então, Ezequias só poderia responder perante o Tribunal de Justiça. A providência, na prática, equivalia a reiniciar todo o processo que tramitara na 5.ª Vara Criminal de Curitiba durante anos.
Prevaleceu a suposta importância política e consequente intocabilidade do acusado
Sobrevieram novos truques procrastinatórios, com a visível intenção de levar o caso à prescrição. O relator levou nada menos de três anos para encaminhar o processo ao Órgão Especial – única instância de julgamento de agentes públicos com foro privilegiado, onde sucessivos pedidos de vistas prolongaram os prazos até onde era possível.
Eis as circunstâncias que contribuíram para que se chegasse, tantos anos depois, ao julgamento do Órgão Especial, que, mesmo tendo reconhecido o cometimento do crime, eximiu Ezequias das penas cabíveis sob o manto da prescrição. Isso porque o secretário foi condenado a multa, perda de cargo público e seis anos e oito meses de prisão, dos quais quatro anos são a “pena-base” por peculato. De acordo com os artigos 109 e 110 do Código Penal, com o instrumento da “prescrição retroativa”, o prazo de prescrição no caso de Ezequias caiu de 16 para oito anos. Como o tempo decorrido entre o recebimento da denúncia e o veredito superou esse intervalo, Ezequias livrou-se de cumprir a pena a que tinha sido condenado. E passa a conviver com a sociedade honesta como se dela fizesse parte.
No fim, todos terminam bem: o Tribunal de Justiça salva as aparências, pois cumpriu a função de julgar e condenou Ezequias, que por sua vez escapa das penas – nem mesmo deixa de ser réu primário. Louve-se a disposição dos desembargadores que, durante o julgamento, alertaram para o enorme risco moral que haveria ao condenar Ezequias deixando-o impune – um único dia a mais na pena-base teria sido suficiente para evitar a prescrição. Infelizmente, prevaleceu a suposta importância política e consequente intocabilidade do acusado, levando a Justiça do Paraná a dar mau exemplo a uma sociedade cada vez mais consciente e ávida por medidas justas que levem à restauração da ética e da moralidade no setor público.
Mau exemplo, aliás, que causa preocupação a respeito de outro caso de grande repercussão: o do deputado e ex-presidente da Assembleia Nelson Justus, acusado de ter acoitado desvios milionários no Legislativo, e cujo processo também caminha com a lentidão necessária para levar à prescrição dos crimes que lhe foram atribuídos desde a eclosão, em 2010, do escândalo dos Diários Secretos.
O Ministério Público já anunciou a intenção de recorrer da decisão do Órgão Especial, levando o caso para instâncias superiores. Se justiça não se fez agora, que ela venha no futuro mais breve possível.