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Editorial

Sem confiança não há investimento

Bolsa de valores-ibovespa
Apesar da recente reação da B3, estrangeiros reduziram suas posições em ações e títulos brasileiros em 2020. (Foto: Rafael Matsunaga/Fotos Públicas)

Qualquer recuperação robusta da economia brasileira em 2021 dependerá muito da entrada de recursos externos, tanto aquele investimento mais duradouro, feito no setor produtivo, quanto o dinheiro colocado em bolsa de valores ou na compra de títulos do governo brasileiro. Neste aspecto, no entanto, o ano recém-encerrado não foi nada animador. O Investimento Direto no País (novo nome do que costumava ser chamado Investimento Estrangeiro Direto), aquele que é destinado, por exemplo, à construção ou ampliação de instalações fabris, deve fechar 2020 na casa dos US$ 36 bilhões – os dados de dezembro ainda não foram divulgados –, metade do que entrou em 2019. E o mercado financeiro registrou uma forte saída de dólares, mesmo com a recente alta que devolveu a bolsa a patamares semelhantes aos de antes da pandemia: os investidores estrangeiros retiraram US$ 14,8 bilhões das chamadas “posições em portfólio”, que somam ações, participações em fundos de investimento e títulos brasileiros.

Momentos de forte instabilidade, como os causados pela pandemia de Covid-19, tradicionalmente estimulam o que é conhecido como “fuga para a segurança” na alocação de recursos, especialmente os destinados a ações ou títulos: o investidor prefere retornos menores, mas garantidos, em vez de buscar ganhos maiores em nações emergentes ou subdesenvolvidas. O Brasil, que já há alguns anos perdeu o “grau de investimento” conferido por agências de classificação de risco, já sofreria naturalmente com esse movimento. Mas o caso brasileiro ainda tem uma agravante, uma “fuga da insegurança” que, por aqui, só tem crescido.

A solidez das potências econômicas, por si só, atrai os recursos em momentos de turbulência. Mas o Brasil, ainda por cima, espanta o investidor estrangeiro

Mesmo um país emergente que adota disciplina fiscal e contém o gasto público verá dinheiro migrar para nações desenvolvidas durante uma “fuga para a segurança”. A solidez das potências econômicas, por si só, atrai os recursos. Mas o Brasil, ainda por cima, espanta o investidor estrangeiro: não aprova as reformas estruturantes e, quando as realiza, também as sabota, reduzindo sua eficácia, como ocorreu com a reforma da Previdência e como pode ocorrer com a PEC Emergencial. Um Estado inchado e gastador reluta em reduzir seu tamanho, por exemplo por meio de privatizações. Nosso sistema tributário é disfuncional, e ainda estamos longe de chegar a uma fórmula consensual e racional (pois de nada adianta haver consenso sobre um projeto ruim) na reforma tributária. O Judiciário é fonte de insegurança jurídica e chega até a jogar contra o livre mercado. Mesmo antes da pandemia, o país apresentava uma dívida pública, como proporção do PIB, maior que a média latino-americana e de países emergentes; agora, pelo critério do FMI, a dívida já ronda os 100% do PIB. E, com os flertes abertos de setores do governo e do Congresso com a flexibilização do teto de gastos, o mercado pede juros cada vez maiores para bancar a dívida brasileira.

Nessas condições, não há como estimular o investidor – nem aquele que deseja produzir no Brasil, e que traria o investimento direto, nem aquele que poderia colocar o Brasil em seu portfólio de ações e títulos. As boas sinalizações de 2019 e 2020, como a reforma da Previdência, a Lei de Liberdade Econômica e o recente marco do saneamento, acabam sufocadas pela incapacidade crônica de tirar do papel todas as demais reformas estruturantes. É um equívoco considerar que, neste momento de pandemia, elas perdem prioridade. Afinal, são elas que criarão as condições para aumentar a confiança no Brasil e permitir que a economia se recupere mais rapidamente.

Nem mesmo o fato de empresas como a Ford, a Sony e a Roche estarem deixando o Brasil ou reduzindo suas operações parece despertar senso de urgência a respeito de uma pauta que parece tão óbvia. Afinal, há postulantes às presidências da Câmara e do Senado – o único assunto que parece importar neste momento – que, em busca de votos, estão costurando compromissos com partidos interessados no enfraquecimento ou até mesmo na paralisação da pauta liberalizante e reformista. Isso é condenar o país a um futuro de pobreza, alijado da inserção internacional, preso no abismo fiscal e refém de um Estado que existe apenas para alimentar a si próprio em vez de servir ao cidadão.

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