O Instituto Datafolha aproveitou uma de suas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República para avaliar a adesão dos brasileiros ao sistema democrático, como faz desde 1989, em intervalos irregulares. E os resultados, desta vez, são animadores. Depois de uma estabilidade que durou de setembro de 2017 a junho deste ano, a proporção dos que acreditam que a “democracia é sempre melhor que qualquer forma de governo” subiu para 69%, o maior índice desde que a pesquisa começou a ser feita. A porcentagem dos que creem que “em certas circunstâncias é melhor uma ditadura que um regime democrático” caiu para 12%, repetindo dezembro de 2014 e maior apenas que os 11% de dezembro de 2008. E a quantidade de indiferentes, para quem “tanto faz se é uma democracia ou uma ditadura”, também teve mínima histórica, com 13%.
Os resultados não vêm por acaso. Os líderes das pesquisas de opinião para assumir o Planalto são Jair Bolsonaro, com sua defesa da ditadura militar brasileira e sua admiração por torturadores como Brilhante Ustra; e Fernando Haddad, cujo partido defende com unhas e dentes as ditaduras cubana, venezuelana e nicaraguense, a ponto de, quando ocupava o governo federal, ter contribuído com os regimes assassinos dos Castro e de Hugo Chávez/Nicolás Maduro, seja por meio do BNDES, seja com programas como o Mais Médicos. Brasileiros de todos os lados do espectro ideológico se preocupam com a possibilidade de a vitória de algum deles representar uma escalada autoritária no país, daí a tendência a defender a democracia e repudiar ditaduras com mais ênfase que nas pesquisas anteriores.
Não basta, para uma nação ser democrática, que realize eleições periódicas
Não nos cabe agora avaliar o quanto há de fundado ou infundado em tais preocupações; o que pretendemos é recordar o valor da democracia, que de fato não é apenas “o pior regime, com exceção de todos os outros”, como na famosa ironia que Winston Churchill atribuía a algum “sábio” anônimo: ela é, sim, o melhor sistema, aquele em que cada cidadão tem a liberdade para realizar ao máximo os seus potenciais. Liberdade para escolher e exercer a profissão com que mais se identifica, liberdade para empreender, liberdade para se expressar individualmente e para se informar pela fonte que considerar mais confiável, liberdade para se associar a outros indivíduos que têm os mesmos ideais e trabalhar por eles, liberdade para cobrar do poder público aquilo que lhe cabe, liberdade para buscar a Justiça quando dela tiver necessidade.
Nossas convicções: O valor da democracia
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Da lista acima, que nem esgota todas as liberdades que o cidadão tem em uma democracia, percebe-se de imediato que não basta, para uma nação ser democrática, que realize eleições periódicas, como se essa fosse a única liberdade que interessasse, ou a única franqueada ao cidadão. Quando os poderes não são independentes, quando o associativismo é coibido, quando a imprensa é perseguida, quando as minorias são marginalizadas, quando alguns grupos se atribuem o poder de usar a força para impor suas convicções – ainda que sejam nobres –, estamos diante de atitudes que erodem a democracia e nos levam, lenta ou rapidamente, para um caminho autoritário, ainda que as eleições continuem a ocorrer.
O compromisso com a democracia precisa ser total, e trabalhar para espalhar essa compreensão mais abrangente é desafio de todo autêntico democrata. Infelizmente, há quem sinceramente considere a democracia o melhor sistema de governo, mas ao mesmo tempo ainda defenda ou justifique certas ações antidemocráticas, como invasões de escolas ou bloqueios de estradas. Que o país seja capaz de reduzir esse déficit democrático, fortalecendo suas convicções sobre o valor da liberdade que só a democracia pode oferecer.
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