O conflito envolvendo o governo do estado do Paraná e o Ministério Público não é o primeiro caso de atrito entre áreas do setor público. O governador Roberto Requião contesta a autonomia do Ministério Público em definir suas próprias aposentadorias, alegando que essa autonomia gera privilégios atribuídos pelo órgão aos seus próprios integrantes. Na briga, ressurgiu a acusação de nepotismo no Poder Executivo, em função da lista de parentes do governador nomeados para cargos no estado.
Conflitos assim são positivos e é bom que eles existam, porque induzem uma área do governo a expor as mazelas de outra, permitindo ao povo saber como seu dinheiro é utilizado. A exposição pública das distorções, dos desperdícios e dos privilégios gera indignação na população e freia, ainda que timidamente, a malversação dos tributos pagos pela sociedade.
Chega a ser bizarra a ginástica verbal que integrantes dos governos fazem para justificar a contratação de membros da família. Todos alegam a mesma coisa: os parentes são nomeados em função de competência profissional. Quando o deputado Severino Cavalcanti, ex-presidente da Câmara dos Deputados, foi acusado de empregar dezenas de parentes, o argumento foi de que todos eram competentes e bem preparados para as funções que exerciam. Ora, se fossem de fato profissionais qualificados, certamente não teriam a menor dificuldade em receber boas propostas de trabalho no setor privado, no qual a qualificação é fundamental. O governo, por sua vez, não teria a menor dificuldade em encontrar profissionais altamente preparados para as funções públicas e, portanto, não haveria razão alguma para que um governante se expusesse ao desgaste de praticar o nepotismo.
A verdade clara é que tudo não passa de grande hipocrisia. Os parentes são nomeados pelos governantes por uma única razão: para protegê-los, já que deles pouco se cobra em dedicação, eficiência e produtividade. O povo, esfolado, paga a conta dessa prática indecente. Se o governador do Paraná tiver razão, o povo está sendo esbulhado pelos privilégios no Ministério Público. Se os promotores estiverem certos, o povo está sustentando os privilégios da família do governador. Mas, que fique claro: o governador do Paraná não é o único, não foi o primeiro e nem será o último administrador público a transformar o governo num albergue de luxo para sua família. Que a sociedade não se iluda: o dinheiro dos tributos é mal-aplicado, há corrupção, há desperdícios e há privilégios em todos os níveis do sistema público no Brasil.
Que sejam bem-vindos os conflitos entre áreas do governo, para que a sociedade saiba dos abusos que rondam o dinheiro público. Ocorrerão exageros e mentiras, mas o conflito no Paraná deixará um saldo positivo para a sociedade. Afinal, enquanto segue o teatro trágico em que funcionários públicos e governantes brigam para ver quem leva a melhor na apropriação do dinheiro que tomam do nosso bolso, o povo assiste a tudo e sua insatisfação pode, no futuro, levar à mudança da situação pelos caminhos democráticos.