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O ministro Fernando Haddad em reunião do “Conselhão”, em junho de 2024.
O ministro Fernando Haddad em reunião do “Conselhão”, em junho de 2024.| Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

A trégua durou pouco. Foram cerca de duas semanas sem críticas de Lula à responsabilidade fiscal e à atuação do Banco Central na condução da política monetária, mas o presidente não conseguiu segurar sua língua por mais tempo. Na terça-feira, em entrevista à TV Record, o presidente da República minimizou a necessidade de cumprir metas fiscais “se tiver coisas mais importantes para fazer”, e disse que não vê problemas em déficits primários se a economia, os empregos e os salários estiverem crescendo. Seguindo um roteiro já conhecido, o dólar voltou a dar um salto: começou a semana na casa dos R$ 5,40, mas terminou a sexta-feira valendo R$ 5,60 – isso apesar de uma contenção de danos anunciada pelo ministro Fernando Haddad, que no entanto veio tarde demais e fraca demais.

No fim da tarde de quinta-feira, Haddad anunciou um congelamento de R$ 15 bilhões no Orçamento deste ano, em uma tentativa de cumprir o que prevê o arcabouço fiscal proposto pelo próprio governo no ano passado. A maior parte desse valor, R$ 11,2 bilhões, corresponde a um bloqueio, porque a previsão de gastos para o ano já estava superando até mesmo o limite máximo de inflação mais 2,5 pontos porcentuais de elevação na despesa em comparação com o ano anterior. Os outros R$ 3,8 bilhões são um contingenciamento: isso significa que o valor até estaria dentro do aumento máximo de gasto permitido pela lei, mas comprometeria o esforço para atingir a meta fiscal, que este ano é de resultado primário zero, com 0,25 ponto porcentual do PIB de tolerância para cima ou para baixo.

Para a meta fiscal ser cumprida, os R$ 15 bilhões anunciados por Haddad teriam de ser apenas o começo de um processo de ajuste que exigiria, no mínimo, outro congelamento da mesma magnitude

Isto significa que o contingenciamento é mais simples de reverter: basta que entre mais dinheiro nos cofres públicos a ponto de esses R$ 3,8 bilhões poderem ser gastos sem desrespeitar a meta. A grande esperança de Haddad a esse respeito é a solução do imbróglio sobre a desoneração da folha de pagamento dos setores que mais empregam no país – o ministro Edson Fachin, do STF, ampliou para 11 de setembro o prazo (que terminaria na última sexta-feira) para governo e Congresso encontrarem uma alternativa à reoneração total. Já o bloqueio só será revertido se outras despesas previstas caírem drasticamente, explicou a ministra do Planejamento, Simone Tebet.

Se por um lado é verdade que houve fatores externos que fortaleceram o dólar em relação a todas as moedas emergentes na sexta-feira, por outro lado a cotação também sofreu forte influência interna: antes do anúncio do congelamento, por causa das falas de Lula; depois do anúncio, devido à percepção de que R$ 15 bilhões provavelmente não bastarão para que a meta de resultado primário seja atingida. Pelas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, zerar o déficit neste ano exigiria um ajuste de R$ 57,7 bilhões. Para ficar no limite inferior da meta, um déficit primário de 0,25% do PIB, a tesoura teria de cortar R$ 28,9 bilhões. Em outras palavras, os R$ 15 bilhões anunciados por Haddad teriam de ser apenas o começo de um processo de ajuste que exigiria, no mínimo, outro congelamento da mesma magnitude. A divulgação do Relatório Bimestral de Receitas e Despesas do governo, marcada para esta segunda-feira, pode trazer mais detalhes sobre os próximos passos – se é que eles estão no radar de Haddad e Tebet.

Isso nos traz de volta à fala de Lula, que gosta de invocar o tempo que já passou no Planalto como argumento de autoridade, mas nesses anos ainda não aprendeu, ou não quis aprender, a relação direta entre responsabilidade fiscal e crescimento econômico. Só uma economia em ordem consegue preservar o valor da moeda e garantir a estabilidade que fomenta investimentos e gera emprego e renda, ajudando os pobres. Por outro lado, o descontrole é caminho certo para inflação, desemprego e recessão, como o país viu pouco tempo atrás. Na entrevista de terça-feira, Lula disse que precisava “estar convencido se há necessidade ou não de cortar”; que se convença logo, então, em vez de esperar a repetição de 2015 e 2016.

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