Nada de reformas, mas a vingança, essa não para nunca. Eis uma descrição de como deve ser 2022 no Congresso, a depender de afirmações recentes dos principais protagonistas da política nacional. O presidente Jair Bolsonaro e seu líder na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), já disseram que em ano eleitoral será impossível aprovar as necessárias reformas macroeconômicas – a mais recente declaração neste sentido veio do presidente da República, em entrevista à Jovem Pan: “nesses anos onde existem as eleições para presidente, para senadores, para deputados também são anos difíceis, não tem negociação”, disse Bolsonaro. Mas essa apatia desaparece como que por mágica quando se trata de aprovar os projetos que dão continuidade ao que o ministro do STF Luís Roberto Barroso, ao votar contra a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, chamou de “vingança” desejada pelos “corruptos”.
Vários projetos de lei e propostas de emenda à Constituição que atrapalham o combate à corrupção, amordaçam as autoridades empenhadas em investigar escândalos de ladroagem e facilitam a vida dos acusados e réus têm tudo para aparecer – ou reaparecer – na pauta do Congresso Nacional em 2022. O histórico recente do Congresso mostra que há muitos parlamentares dispostos a levar adiante certas propostas nocivas mesmo quando todos os olhos estão voltados para elas, tamanho é o seu despudor; mas ninguém haverá de negar que o ano eleitoral é a melhor época para a tramitação desse tipo de projeto, já que boa parte da sociedade e dos formadores de opinião está prestando atenção nas disputas eleitorais.
Neste ano, mais que nunca, o brasileiro precisará de atenção máxima para que novos retrocessos no combate à corrupção não prosperem
Um caso emblemático é o da PEC 5/21, que alteraria a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), dando um caráter mais político ao órgão e facilitando a perseguição – porque ela já existe nos moldes atuais, como bem sabem Deltan Dallagnol e Diogo Castor de Mattos, ex-membros da Lava Jato – a integrantes do MP empenhados em investigar casos de corrupção, principalmente envolvendo políticos. Foi por muito pouco, apenas 11 votos, que um substitutivo da PEC não passou no plenário da Câmara dos Deputados em novembro do ano passado; o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), inconformado, prometeu ressuscitar a versão original da PEC, que ele diz ser mais “branda”, embora seja impossível classificar como tal uma proposta que ainda amplia o poder do Congresso no CNMP e segue permitindo que o corregedor-geral do órgão não mais pertença aos quadros do Ministério Público. Lira quer retomar a PEC 5 já em fevereiro, quando os deputados voltarem do recesso.
No Senado, um novo Código Eleitoral aguarda a análise dos senadores. Eles ao menos já fizeram um favor ao país ao ignorar a pressão de Lira e desacelerar a tramitação do projeto, aprovado rapidamente na Câmara; com isso, tornaram impossível que quaisquer novas regras valessem já para o pleito de 2022. O texto vindo da Câmara é um enorme desserviço ao afrouxar a fiscalização e a punição de irregularidades eleitorais, ampliar as possibilidades de uso espúrio do Fundo Partidário, deixar de criminalizar várias condutas, reduzir multas, tirar poder da Justiça Eleitoral na fiscalização das contas dos partidos e prever quarentenas desproporcionais e indevidas para certas classes de autoridades, que teriam de amargar anos de inelegibilidade antes de se candidatarem. O Senado, que já barrou a volta das coligações nas eleições proporcionais, faria muito bem em realizar uma boa depuração (que terá de ser profunda) ou afundar de vez o projeto.
Um outro Código tramita na Câmara e também tem potencial de frear o combate à corrupção. A proposta de um novo Código de Processo Penal (CPP) não altera em nada o labirinto processual que os corruptos sabem navegar tão bem, explorando as infinitas possibilidades de recursos para que jamais sejam punidos por seus crimes; ainda por cima, limita poderes de investigação do Ministério Público e tenta emplacar o controverso “juiz de garantias”, incluído pelo Congresso no pacote anticrime contra a vontade do então ministro Sergio Moro e depois suspenso pelo STF. Enquanto isso, projetos como o que limita o foro privilegiado e o que traz de volta a possibilidade de início do cumprimento da pena após prisão em segunda instância permanecem parados – e, quando os bons parlamentares finalmente conseguem fazê-los andar, sofrem com manobras como a que impediu a votação da PEC da segunda instância, em dezembro do ano passado.
Um dos argumentos para que haja tanta resistência à votação das reformas em ano eleitoral é o fato de que elas, embora benéficas para o país como um todo, desagradam certos grupos de pressão que são base eleitoral de vários parlamentares. No entanto, a bancada da impunidade não vê o menor problema em desagradar toda uma nação cansada de ladroagem ao votar e aprovar projetos nocivos para o país inteiro, e que beneficiam apenas aqueles que sugam o dinheiro público. Neste ano, mais que nunca, o brasileiro precisará de atenção máxima para que novos retrocessos no combate à corrupção não prosperem.