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Editorial

A briga do Congresso para manter a farra das emendas

O ministro Flavio Dino (ao centro), do STF, em audiência de conciliação sobre a transparência de emendas parlamentares, em 1.º de agosto. (Foto: Gustavo Moreno /STF)

Praticamente toda a cúpula do poder em Brasília está enfiada em uma batalha sobre o controle de parte nada desprezível do Orçamento da União, um novo capítulo de uma disputa que já dura ao menos cinco anos. O Supremo Tribunal Federal não está nada satisfeito com as explicações do Congresso Nacional, do Tribunal de Contas da União, da Advocacia-Geral da União, da Controladoria-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República sobre mecanismos para dar transparência aos repasses de emendas parlamentares, com direito a bronca do ministro Flávio Dino em uma reunião de conciliação. “Eu não consegui entender, imagine o cidadão, que é dono do dinheiro”, queixou-se o ministro, relator de uma ação em que a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) pede a suspensão das “emendas Pix”.

Em 2019, os congressistas descobriram uma forma de subverter um tipo específico de emendas, chamadas RP-9, ou “emendas de relator”. Elas foram infladas até representar mais que o dobro das emendas individuais e de bancada, ainda por cima sem respeito algum à isonomia entre parlamentares, com todo tipo de negociata e favorecimento que esse procedimento permite. No fim de 2022, o STF decidiu que as RP-9 eram inconstitucionais, não sem antes ter pedido ao Legislativo, sem sucesso, que estabelecesse formas de dar transparência ao que ficara conhecido como “orçamento secreto”. Mas o Congresso, uma vez tendo saboreado o poder de decidir o destino de mais alguns bilhões de reais, não desistiria tão facilmente.

As “emendas Pix” são um desafio aos princípios constitucionais que regem a administração pública e estão elencados no artigo 37 da Carta Magna

Logo os parlamentares encontraram outro instrumento que servia muito bem a seus interesses: um tipo particular de emenda individual, chamado “emenda individual de transferência especial”, que dispensa o detalhamento tradicional exigido de emendas parlamentares sobre que obra, serviço ou projeto deve receber o dinheiro: em vez disso, o deputado ou senador simplesmente indica que prefeitura ou governo estadual receberá o valor, que poderá usar praticamente como bem entender. A supersimplificação rendeu a esse procedimento o nome de “emenda Pix”, que rapidamente se tornou parte relevante de todo o dinheiro que o Congresso resolve tomar para si na forma de emendas: hoje, as “emendas Pix” representam dois terços do total de emendas que não são obrigatoriamente destinadas à área da saúde.

Repasses sem destinação definida, sem transparência, sem nem sequer prestação de contas, são um desafio aos princípios constitucionais que regem a administração pública e estão elencados no artigo 37 da Carta Magna. Em ano eleitoral, prefeitos candidatos à reeleição estão tendo seu orçamento turbinado graças a “emendas Pix” de seus aliados no Congresso. Esse tipo de situação já vinha sendo criticado por alguns parlamentares preocupados com a correta aplicação dos recursos públicos; já outros passaram a adotar um discurso de defesa da transparência apenas para não correr o risco de ver as “emendas Pix” terem o mesmo fim das emendas de relator. O presidente da Câmara, Arthur Lira, por exemplo, agora promete “fazer a emenda Pix com um objeto determinado”.

Mesmo que, por algum milagre brasiliense, os parlamentares de fato decidam jogar luz sobre as emendas Pix, o principal problema ainda estará longe de ser resolvido. O enorme poder que o Legislativo tem sobre uma parcela significativa do Orçamento não tem paralelo no Ocidente: em 2024, o Congresso decidiu o destino de 20% dos recursos livres, aqueles que não têm destinação definida por determinação constitucional ou outras regras – em comparação, esse porcentual é de 2,4% nos Estados Unidos e menos de 1% em Portugal, Coreia do Sul e França. Isso cria uma distorção na democracia, pois o governo eleito pelo povo (qualquer governo, de esquerda, de direita ou de centro) é deixado quase sem dinheiro para botar em prática o plano que os eleitores resolveram endossar. As emendas parlamentares não precisam deixar de existir, mas precisam ser repensadas em seu tamanho e seu uso.

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