Uma semana e meia após os bárbaros ataques terroristas do Hamas contra Israel, e em meio às preparações israelenses para uma possível invasão terrestre da Faixa de Gaza com o objetivo de eliminar instalações do grupo extremista islâmico, o Conselho de Segurança da ONU ainda não chegou a um acordo sobre os termos de uma resolução sobre a guerra. Duas tentativas já foram recusadas pelo órgão: uma delas, sugerida pela Rússia, não chegou nem mesmo a ter o apoio mínimo necessário para uma aprovação; o segundo texto, de autoria da diplomacia brasileira, teve endosso bem mais numeroso nesta quarta-feira, mas esbarrou no poder de veto dos Estados Unidos, devido ao que a superpotência considerou como “omissões” do texto brasileiro.
O texto russo foi rejeitado na noite de segunda-feira, dia 16, com cinco votos favoráveis (era necessário o apoio de nove países), quatro contrários e seis abstenções – mesmo se tivesse conseguido a maioria, teria sido rejeitado de qualquer forma, devido aos votos contrários de três nações com poder de veto: Estados Unidos, França e Reino Unido. O Brasil, que preside o órgão neste mês de outubro, respondeu por uma das seis abstenções. Embora pedisse a libertação dos reféns israelenses sequestrados pelos terroristas e defendesse o envio de ajuda humanitária aos palestinos, o texto russo foi duramente criticado por não mencionar nominalmente o Hamas. “Ao não condenar o Hamas, a Rússia protege um grupo terrorista que brutaliza civis inocentes. Isso é escandaloso, hipócrita e indefensável”, disse a embaixadora norte-americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield acrescentando que “este conselho não pode culpar Israel injustamente e desculpar o Hamas por décadas de crueldade”.
Como o único obstáculo à aprovação de uma resolução está em objeções pontuais apresentadas por um único membro permanente do CS, melhorar os textos apresentados até agora para se chegar a um texto aceitável para todos não deveria ser tarefa impossível
Já o texto brasileiro tinha mais avanços em relação à proposta russa, a começar pelo seu item 2, no qual o Conselho de Segurança “rejeita inequivocamente e condena os ataques terroristas atrozes do Hamas que ocorreram em Israel a partir de 7 de outubro de 2023 e a tomada de reféns civis”. Este seria, enfim, o reconhecimento por parte da ONU de que o Hamas é um grupo terrorista; a ausência de uma declaração como essa é o argumento no qual o governo Lula se refugia para não reconhecer o óbvio, o caráter terrorista dessa entidade palestina. Além disso, o rascunho de resolução propunha uma série de medidas como a libertação dos reféns, o acesso dos civis palestinos a itens de primeira necessidade e a abertura de corredores de ajuda humanitária.
A proposta teve 12 votos favoráveis e a abstenção de Rússia e Reino Unido; teria sido aprovada se não fosse pelo veto norte-americano, que acusou a falta de um trecho reconhecendo o direito de Israel se defender da ameaça terrorista do Hamas, direito este previsto no artigo 51 da Carta das Nações Unidas – embora o mesmo artigo estabeleça condições para o exercício deste direito, como a notificação das medidas ao Conselho de Segurança e o respeito à autoridade do órgão. “Após outros ataques terroristas, de grupos como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, este Conselho reafirmou esse direito [à autodefesa]. Este texto [proposto pelo Brasil] deveria ter feito o mesmo”, argumentou a embaixadora Thomas-Greenfield.
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Embora não tenha sido diretamente mencionado pela representante norte-americana, o texto brasileiro continha um trecho controverso, o que “insta à imediata revogação da ordem [emitida por Israel] para que civis e pessoal da ONU evacuem todas as áreas ao norte de Wadi Gaza e se reloquem no sul de Gaza”. Há argumentos razoáveis de ambos os lados nesta questão. A IV Convenção de Genebra, que trata dos direitos dos civis em caso de conflito armado, proíbe transferências forçadas de população civil, considerando-as crime de guerra, “salvo se a segurança da população civil ou razões militares imperiosas assim o exigirem”, segundo seu artigo 49. É nesta ressalva que o argumento israelense se apoia. Israel, por esse raciocínio, estaria abrindo mão do elemento surpresa ao avisar os civis palestinos da iminência de uma invasão terrestre, dando-lhes a possibilidade de buscar segurança fora da região que será invadida. O mesmo artigo, no entanto, afirma que “as pessoas evacuadas devem ser levadas de volta a seus lares assim que as hostilidades na área em questão tiverem terminado” e que é responsabilidade do chamado “Poder Ocupante” garantir que o deslocamento se dê em condições aceitáveis de higiene, saúde e nutrição – este é o ponto mais importante para quem considera ilegal a ordem de evacuação, devido ao volume de palestinos em fuga, aos prazos exíguos para o deslocamento e as condições precárias em que ele está ocorrendo, elementos que, somados, podem, sim, contribuir para uma catástrofe humanitária.
Como o único obstáculo à aprovação de uma resolução está em objeções pontuais apresentadas por um único membro permanente do CS, melhorar os textos apresentados até agora para se chegar a um texto aceitável para todos não deveria ser tarefa impossível. Mesmo que uma resolução seja aprovada, no entanto, nada garante que ela seja efetivada. O Oriente Médio, incluindo Israel, tem um longo histórico de ouvidos moucos às Nações Unidas e ao seu Conselho de Segurança, que vem ao menos desde que a partilha do mandato britânico da Palestina sugerida pela ONU foi ignorada, com várias nações árabes invadindo o território que seria dividido em um Estado judeu e um Estado palestino em maio de 1948. Também é difícil crer que o Hamas vá atender a qualquer exigência de cessar-fogo da ONU. Isso não significa, no entanto, que o caminho da diplomacia é inútil; pelo contrário, é imprescindível, especialmente em momentos como este.
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