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Na última década, a cidade paulista de Paulínia, 84 mil habitantes, na região metropolitana de Campinas, deixou de ser falada apenas pela produção petroquímica e se tornou conhecida como polo de produção de cinema. Foi como se num estalar de dedos a nossa vizinha Araucária passasse a ter entre os seus não só a turma da refinaria, mas também o Selton Mello, a Dira Paes e o Beto Brant.

O projeto despertou simpatia instantânea e irrestrita. Um exemplo de civilidade. Difícil algum diretor ou ator que não tenha feito reverências a Paulínia, vendo ali uma inspiração para outros municípios, em geral titubeantes na hora de investir em cultura. Falta-nos um índice sociocultural, capaz de provar na ponta do lápis que cada tostão gasto com arte, leitura, teatro volta em dobro. É um patrimônio que não vai com o vento, o que o coloca entre o mais sólido dos investimentos.

Pois a nova administração municipal não só navalhou o orçamento do Polo de Cinema de Paulínia como lamentou os R$ 490 milhões gastos no projeto até agora. Entende-o como "roubado" da educação e da saúde, sem dúvida nenhuma duas prioridades de qualquer administrador público. O senão da história, que mistura alhos com bugalhos, é supor que investir em cultura é supérfluo e, portanto, constituir um procedimento normal desviar seus recursos para outras áreas. Só faltou responsabilizar o polo de culpado do prato raso na mesa dos pobres. A reação da classe artística foi de indignação. Mas causa pena constatar que a discussão sobre o impacto do investimento em cultura ficou limitada ao pessoal do ramo. Barulho mesmo, só se fosse fechada a petroquímica. De qualquer maneira, a polêmica serve para mostrar o tratamento discriminatório dispensado ao setor, como se fosse possível separar cultura de educação.

Difícil aceitar que o capital criativo de tantos criadores artísticos de ponta, circulando pela praça de matriz da cidade e ministrando oficinas para a população, não tenha atingido a escola, a associação de bairro e o postinho de saúde. O resto vem por acréscimo, como se tem visto em todos os países que sobrevivem às crises econômicas pela força da formação cultural de seu povo. Leia-se Rússia e Argentina. Está se tornando a história da Índia. Pode ser um dia a história de Cuba.

O primeiro impulso pelo pouco caso com a cultura é culpar o populismo que grassa o país: arte não faz parte da cesta básica, ainda que devesse. O segundo, pôr nas costas das práticas corporativas, que privilegiam as metas, lesando a cultura, que sabidamente oferece resultados a médio e longo prazo. São meias-verdades. Há uma cortina de fumaça que impede ver qual o lugar da arte elaborada em meio ao grande negócio em que se transformou a indústria do entretenimento – a terceira do mundo, atrás da indústria bélica e da indústria automobilística. Apenas no Brasil, o setor movimentou US$ 33 bilhões em 2010.

O grosso dos rendimentos do setor é sentido nas práticas de lazer, mais ligadas ao escape para o estresse urbano e à necessidade de convivência social – o que é legítimo –, do que propriamente ao cultivo do espírito. Cultura elaborada é também lazer e sociabilidade, mas acima de tudo uma prática que pede introspecção, reflexão, crítica, debate. Em miúdos, a cultura deixou de fazer parte dos grandes problemas do mundo. E falar dela já causa estranheza.

Não causa espanto que o Polo de Paulínia esteja em via de óbito: ele não nasceu para promover o consumo imediato de blockbusters seguidos de pizzas e conversa fiada, mas surgiu com as melhores intenções: queria dialogar com a ideia moderna de cultura e tinha pretensões civilizatórias.

A cultura não "cola" na mentalidade tecnocrata. Tendemos a negligenciá-la. Mas, como todas as grande forças que movem a humanidade, ela não sossega. Não se instalou em Paulínia, mas em algum lugar há de ser e estar.

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