Este janeiro é o primeiro mês do primeiro ano da terceira década do século 21 e o relógio do IBGE informa que o país inicia o ano com 212,5 milhões de habitantes. Já começou a contagem regressiva para o desafio brasileiro de, nos próximos dez anos, fazer a renda por habitante chegar ao fim da terceira década, em 2030, maior que o valor atingido no fim da primeira década deste século, em 2010. Tantas foram as previsões feitas sobre a queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 que, após concluídas e revisadas as estatísticas nas próximas semanas, os dados sobre a recessão mostrarão o real tamanho da queda no PIB. A única coisa certa até o momento é que o tombo será um pouco menor que o da recessão acumulada no biênio 2015-2016. A causa principal foi a pandemia, portanto, uma catástrofe natural sem culpa de qualquer governo, diferentemente da recessão dos dois anos iniciais do segundo mandato de Dilma Rousseff, cujas causas foram os erros de política econômica cometidos pelo governo, com alguma colaboração dos problemas internacionais.
Os brasileiros, considerados pobres pela medida do PIB por habitante, terminaram esta segunda década mais pobres que no fim da primeira década, pois a combinação de queda do PIB com o aumento populacional levou a renda per capita (que é exatamente a mesma medida do PIB por habitante, olhada pelo lado da renda) a ser, no fim de 2020, inferior ao que era no fim de 2010. Em estudo divulgado no início do segundo semestre do ano passado, o pesquisador Marcel Balassiano, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), afirmou que, no ano de 2020, a retomada ainda estava em ritmo baixo quando chegou a crise mundial e que, se não houvesse coronavírus, o PIB cresceria 2%, insuficientes para que esta deixasse de ser a pior década em 120 anos. Ou seja, o Brasil teve mais uma “década perdida”, fazendo o combate à pobreza regredir em duas das quatro últimas décadas.
Se o Brasil desperdiçar também esta terceira década do século 21, confirmará para o mundo que, apesar da abundância de seus recursos naturais, aqui há uma sociedade e um governo incapazes de eliminar a miséria e reduzir a pobreza
Um país que tenha desempenho medíocre durante tanto tempo tem a obrigação política e moral de se debruçar sobre as razões do atraso e da incapacidade de crescer, identificar as causas e estabelecer um diálogo nacional para que não se jogue fora a terceira década do século, sem crescimento e sem desenvolvimento social. Se o Brasil desperdiçar esta terceira década e terminá-la com renda por habitante no padrão das duas últimas, o país confirmará para o mundo que, apesar da abundância de seus recursos naturais, aqui há uma sociedade e um governo incapazes de eliminar a miséria, reduzir a pobreza e oferecer para sua população um padrão de bem-estar social já conquistado por nações com muito menos recursos naturais. Do ponto de vista econômico, não há desafio maior que esse, do qual deveriam se ocupar em tempo integral os líderes políticos que ocupam os cargos públicos em todos os âmbitos do poder.
A incapacidade de crescer e se desenvolver não é uma questão de opinião. Basta observar a história, a economia e o desenvolvimento social dos países que já atingiram elevado padrão de bem-estar médio – que são pelos menos 35 nações das 193 filiadas à ONU –, pois esses constituem um grande laboratório mundial que guarda as origens, as causas e as razões que levaram ao progresso material e ao desenvolvimento social. Da mesma forma, há pelo menos 80 países pobres, alguns com riquezas naturais abundantes, nos quais é possível identificar as causas e razões contrárias, ou seja, aquelas que os mantiveram na pobreza e no atraso. Embora o Banco Mundial seja um repositório de informações e relatórios sobre as origens e as causas da riqueza e da pobreza das nações – os quais estão disponíveis para quem quiser estudar e se informar –, seria útil ao Brasil, à sua elite governante e aos líderes empresariais e classistas um esforço conjunto para juntar informações, estudos e discussões em um fórum – ou núcleo, no mínimo – para tentar, por meio da mobilização e discussão, colocar esse tema no topo das prioridades do país.
Infelizmente, tudo indica que temas necessários, prioritários e com a relevância desses aqui levantados continuarão esquecidos e desdenhados, dando lugar às questiúnculas rotineiras e fisiológicas da política e do jogo de poder. A julgar pela profusão de fatos e notícias sobre as questões menores do dia a dia dos governantes, dos políticos e dos burocratas públicos, parece cada vez difícil que o exercício da política venha a destinar seu maior tempo ao que deveria ser sua finalidade mais nobre: a busca do bem comum e o progresso nacional. Com tantas reformas fundamentais – como é o caso das reformas tributária, administrativa e patrimonial –, a política cotidiana no plano nacional, como também nos estados e nos municípios, gasta a maior parte do tempo daqueles que foram eleitos para trabalhar pelo povo com disputas por cargos, verbas e conchavos sobre preenchimento de funções internas nos três poderes.
Ainda que muitos desistam de ter esperanças de que o exercício da política e da função pública possa elevar-se ao menos um pouco acima das questões menores e fisiológicas, o único caminho para mudanças positivas é falar, debater e cobrar dos eleitos com intensidade que os leve a refletir sobre o descontentamento quanto a esse estado de coisas. Os assuntos relevantes estão aí, esperando que sejam tratados, pois o preço da mediocridade pode ser mais uma década perdida, a terceira deste século, e com ela o caminhar do país para chegar ao fim deste século 21 sem eliminar a miséria, superar a pobreza, reduzir as desigualdades e oferecer melhor padrão de vida à população.
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