É muito difícil que a Operação Lava Jato sofra alguma forma de ingerência política que possa conter o seu avanço. É também muito improvável que o Poder Judiciário aceite ser influenciado por políticos no julgamento das ações decorrentes da operação. Em dois anos de Força Tarefa da Lava Jato todas as tentativas de interferência saíram fracassadas e com um alto preço pago por boa parte dos envolvidos.
A avaliação é que a Força Tarefa conta com integral apoio da sociedade. Além disso, os meios de comunicação têm dado ampla cobertura e discutido todos os fatos e decisões sobre o assunto, apresentando os diferentes pontos de vista, contrapondo teses e versões, o que também contribui para garantir a transparência e a lisura dos atos ocorridos no âmbito da operação.
O país necessita de reformas estruturais cujo efeito seja saneador dos vícios hoje existentes no sistema político
Se algum risco existe, ele está não no âmbito do Poder Executivo, mas no Poder Legislativo. Merece atenção especial o que ocorreu na Itália, ao final da Operação Mãos Limpas. A operação abalou a política, levou cerca de três mil pessoas para a prisão e investigou cerca de 500 políticos e empresários, destruindo partidos e mudando a relação de forças na disputa pelo poder na Itália. No entanto, os parlamentares que escaparam ilesos da faxina ética rapidamente se mobilizaram – com o apoio do então primeiro-ministro Silvio Berlusconi, figura emergente da política italiana após a operação – para aprovar leis que tornaram mais difícil combater a corrupção, impondo obstáculos à atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário. Resultado: após uma operação extraordinária, parlamentares conseguiram minar não só os procedimentos para o combate a crimes do colarinho branco, como a própria reputação da “Mãos Limpas”, por meio de uma ofensiva midiática.
Não por acaso ameaças semelhantes começam a emergir das sombras do Congresso Nacional. É emblemática a divulgação nesta semana da conversa gravada pelo ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado, em que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirma apoiar uma mudança na lei que trata da delação premiada, com o objetivo de impedir que uma pessoa presa possa se tornar um delator. É exatamente esse o tipo de medida que não vai contribuir para o florescimento de um ambiente menos corrupto no Brasil. E serve de alerta à sociedade sobre o que os nossos parlamentares podem ser capazes de fazer.
O país necessita de reformas estruturais cujo efeito seja saneador dos vícios hoje existentes no sistema político. Um bom começo seria a aprovação de um conjunto de propostas elaborado pelo Ministério Público Federal e que se consubstanciou em projetos de iniciativa popular batizados de “Dez medidas contra a corrupção”.
Fruto de reflexão e pesquisa de vários especialistas, elas atacam o problema da corrupção em suas várias faces. Há aspectos penais e processuais, como alterações nos prazos de prescrição e nas circunstâncias em que provas podem ser declaradas nulas, assim como aumento de pena para crimes de corrupção. Mas há também medidas referentes à conscientização de agentes públicos e a formas de facilitar a recuperação de ativos de recursos desviados. São um conjunto que em sua totalidade representam um grande avanço.
É sobre as “Dez medidas contra a corrupção” que os parlamentares brasileiros devem concentrar sua atenção. A Operação Lava Jato e os efeitos dela decorrentes precisam ser encarados pelos parlamentares da mesma forma como o são pela sociedade: um momento de ruptura que abre a oportunidade para a transformação do ambiente político brasileiro. Embora se compreenda que o Congresso estará neste momento voltado a discutir as propostas de recuperação da economia, há espaço para discutir as duas pautas de forma convergente. Essa oportunidade precisar ser aproveitada. E a sociedade pode ser a indutora desse processo de mudança, se, da mesma forma que vem demonstrando seu apoio à Lava Jato, encampar uma mobilização mais ampla para aprovar esses projetos contra a corrupção.