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Alexandre de Moraes no plenário do STF
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.| Foto: Antonio Augusto/SCO/STF

É digna de polícia política das piores ditaduras a reviravolta recente em um caso que já se anunciava praticamente encerrado: o da suposta (e coloque-se suposta nisso) hostilização sofrida por Alexandre de Moraes e sua família no aeroporto de Roma, em julho de 2023. Em fevereiro deste ano, a Polícia Federal encerrou as investigações sem recomendar nenhum indiciamento, embora concluísse que teria havido “injúria real” do empresário Roberto Mantovani Filho contra Alexandre Barci de Moraes, filho do ministro do STF. No entanto, as investigações foram reabertas, e agora a mesma PF pediu o indiciamento não apenas de Mantovani, mas também de sua esposa, Andreia Munarão, e do genro do casal, Alex Zanatta Bignotto.

Como o proverbial árbitro de futebol que, mesmo encerrado o tempo regulamentar e os acréscimos por ele anunciados, mantém a bola rolando até que venha o resultado por ele desejado, a Procuradoria-Geral da República pediu a continuidade das investigações, e o ministro Dias Toffoli, relator do caso no STF, acolheu o pedido. A alegação era a de que, em um dos celulares apreendidos, haveria mensagens “em que o episódio investigado é narrado de maneira distorcida da realidade, o que pode indicar o compartilhamento de conteúdo de vídeo gravado na ocasião e posteriormente manipulado para retratar um cenário fantasioso” – uma referência, provavelmente, a um vídeo curtíssimo, feito já com a discussão em andamento, no qual Moraes chama os investigados de “bandidos” e o filho do ministro diz que “serão todos identificados”. Ressalte-se, aqui, o fato de que a própria apreensão dos celulares e outros eletrônicos da família Mantovani já era, por si só, medida arbitrária, pois desnecessária para a investigação do suposto crime ocorrido no aeroporto, e que seu conteúdo já era conhecido do delegado que conduzira a investigação inicial e concluíra pelo não indiciamento.

Uma vez reiniciadas as investigações, o novo delegado responsável, como um Lavrentii Beria dos trópicos, encontrou um crime para aqueles que haviam sido apontados. Os Mantovani e Zanatta tiveram o indiciamento pedido pelo crime de calúnia com agravante de ter sido cometido contra funcionário público em virtude de sua atuação. Além disso, a PF afirmou que a família teria também cometido difamação e injúria, mas não haveria indiciamento por se tratar de crimes de menor potencial ofensivo. O mais incrível nisso tudo é que o tal “aprofundamento das investigações” não exigiu o acréscimo de nenhuma evidência nova. Chegou-se a conclusões diametralmente opostas a partir do mesmo vídeo e dos mesmos objetos apreendidos, já revirados do avesso pelos agentes encarregados da primeira investigação.

E aqui se percebe que a Polícia Federal tem em seus quadros um talento extraordinário, capaz de tirar conclusões de um vídeo sem som, de “ouvir” aquilo que todos os demais agentes da PF que tiveram a chance de analisar o vídeo – até hoje sigiloso – enviado pelas autoridades italianas não conseguiram perceber. “Mesmo que não se tenha o áudio relativo às imagens obtidas, todas as circunstâncias que envolvem o fato vão de encontro com a versão apresentada pelos agressores”, escreveu Thiago Severo de Rezende. Ou seja: a evidência se tornou desnecessária. Não há as ondas sonoras contendo as palavras caluniosas, injuriosas ou difamadoras, mas há a certeza de que os Mantovani e Zanatta “agrediram e ofenderam por razões completamente injustificáveis” o ministro Alexandre de Moraes, e isso basta.

Convenhamos: se é assim, se as conclusões já foram definidas de antemão e basta repetir as investigações quantas vezes for necessário até que elas estejam de acordo com tais conclusões, se é possível indiciar alguém por palavras que não estão registradas em lugar algum, as etapas da persecução penal tornam-se ficção. Estamos diante de um processo típico daqueles movidos em ditaduras, que dispensam provas e nos quais o resultado já está antecipadamente definido contra os “inimigos do regime” – ou “extremistas”, para usar as palavras do delegado Rezende. Mas tudo isso, claro, por mais absurdo que soe a qualquer brasileiro com o mínimo de bom senso, continuará a ser vendido aos incautos, e por eles comprado, como a mais pura defesa da democracia.

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