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Sede do Banco Central, em Brasília.
Sede do Banco Central, em Brasília.| Foto: Raphael Ribeiro/Banco Central do Brasil

Mais uma vez, a metralhadora giratória de Lula contra o Banco Central e contra seu presidente, Roberto Campos Neto, não fez efeito. Em nova decisão unânime – o que inclui o voto de quatro diretores do BC indicados pelo petista –, o Copom manteve a taxa Selic nos atuais 10,5% ao ano, repetindo o que havia feito um mês e meio atrás. Os nove membros do colegiado se preocuparam mais em manter a firmeza no combate à inflação que em ceder a conveniências políticas que, no fim, serviriam apenas para acentuar a maior preocupação do Copom, a chamada “desancoragem de expectativas” sobre a inflação futura.

O comunicado divulgado no início da noite de quarta-feira é quase idêntico ao da reunião de junho, mas as pequenas alterações ajudam a compreender melhor as motivações dos membros do Copom. As expectativas de inflação para este ano e o próximo, recolhidas pelo BC na Pesquisa Focus, subiram: de 4% e 3,8%, respectivamente, para 4,1% e 4%. Além disso, ao relacionar os fatores que podem puxar a inflação para cima e para baixo, o Copom incluiu um novo item aos dois “riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação” que havia elencado no comunicado anterior: “uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado”, indicando a possibilidade de que a desconfiança na capacidade brasileira de segurar a inflação cresça ou dure mais que o previsto anteriormente.

Os nove membros do colegiado se preocuparam mais em manter a firmeza no combate à inflação que em ceder a conveniências políticas

Motivos para isso existem, ainda que o Copom, diplomaticamente, não os mencione de forma explícita. O primeiro deles é a língua de Lula, que ocasionalmente faz algumas promessas de respeito ao arcabouço fiscal, mas geralmente prefere exaltar a expansão do gasto público, não raro apelando ao jogo de palavras que justifica a gastança alegando que se trata de “investimento”. Lula já usou o termo para descrever reajustes ao funcionalismo, e o governo já chegou ao despudor de chamar dessa forma até mesmo as despesas nas viagens internacionais do presidente da República. Se praticamente tudo é “investimento”, por essa ótica, toda e qualquer despesa estaria justificada – ainda que, no fim das contas, sempre se trate de dinheiro saindo dos cofres públicos, independentemente do nome que se dê a isso.

Também não contribui para a credibilidade do governo o seu “ajuste fiscal” evidentemente insuficiente. Em meados de julho, o ministro Fernando Haddad anunciou um congelamento de R$ 15 bilhões, divididos em R$ 3,8 bilhões de contingenciamento e R$ 11,2 bilhões de bloqueio – neste último caso, motivado pelo fato de o governo ter planejado gastar até mais que o limite máximo previsto pelo arcabouço fiscal, que já é bastante generoso. No entanto, esses R$ 15 bilhões não deixariam o Brasil nem perto de chegar a um déficit primário de 0,25% do PIB, que é o limite inferior de tolerância para a meta de resultado primário em 2024 – para isso, seria preciso cortar R$ 28,9 bilhões, quase o dobro do que foi anunciado pelo governo, segundo a Instituição Fiscal Independente, vinculada ao Senado. Já para zerar o déficit (que é a meta propriamente dita), o IFI estima um ajuste necessário de R$ 57,7 bilhões, quase quatro vezes o corte definido pela equipe econômica. Em outras palavras: sem novos ajustes, a meta será descumprida e o esforço fiscal será desmoralizado, com as consequências óbvias sobre as expectativas de inflação.

Curiosamente, quase 24 horas depois do anúncio da decisão, o presidente Lula ainda não reclamou – sua última declaração sobre o tema havia sido feita antes de o Copom afirmar que a Selic estava mantida: “temos o menor nível de desemprego, a inflação está controlada; só falta a gente reduzir a taxa de juros”, disse em evento no Mato Grosso, na quarta-feira. Talvez o petista esteja às voltas com outros prioridades, como as tentativas de normalizar a fraude eleitoral de seu amigo e aliado Nicolás Maduro na Venezuela, mas o mais provável é que em breve ele volte à carga, sem perceber – ou sem querer perceber – que, longe de ter o poder de baixar os juros, o falatório presidencial só serve para atrapalhar a volta do ciclo de queda.

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