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Editorial

Queda dos juros não veio pela gritaria de Lula

Membros do Copom em reunião nesta quarta-feira, 2 de agosto. (Foto: Raphael Ribeiro/BCB)

Pelo placar mais apertado possível, de 5 votos a 4, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central escolheu que a redução da taxa Selic, dada como certa por quase todos os agentes do mercado financeiro, será de meio ponto porcentual – a minoria também votou por baixar os juros, mas em 0,25 ponto. Os novos diretores escolhidos por Lula e Fernando Haddad, Ailton de Aquino e Gabriel Galípolo, alinharam-se com o desejo do governo e votaram pelo corte de 0,5 ponto, mas eles não teriam prevalecido se não fosse pelo voto de minerva do presidente do BC, Roberto Campos Neto: foi ele quem desempatou a votação e sacramentou a redução de 13,75% para 13,25% ao ano.

E é preciso deixar muito claro que, se a redução dos juros é uma vitória por seus efeitos positivos, esta vitória é muito mais de Campos Neto que de Lula. Foi a estratégia aplicada pelo Copom e mantida mesmo durante a sequência ininterrupta de críticas lulistas – que não parou nem mesmo algumas horas antes de o Copom divulgar a decisão para a qual Campos Neto havia sido fundamental – a responsável por criar as condições para a redução da Selic. Em fins de 2020 e início de 2021, o mundo todo considerou que o choque inflacionário então vivido era temporário; o BC brasileiro foi um dos primeiros a perceber que ele seria mais duradouro, iniciando o ciclo de aperto antes dos demais, o que por sua vez lhe permite, agora, reverter o processo enquanto outros bancos centrais mundo afora seguem elevando juros, como acabaram de fazer o Fed norte-americano, o BCE europeu e o Banco da Inglaterra.

Se a redução dos juros é uma vitória, esta vitória é muito mais de Campos Neto que de Lula. Foi a estratégia aplicada pelo Copom e mantida mesmo durante a sequência ininterrupta de críticas lulistas a responsável por criar as condições para a redução da Selic

Lula, por outro lado, atrapalhou o quanto pôde. Sua verborragia contra Campos Neto e, pior ainda, contra a autonomia do Banco Central só serviu para criar ruídos e instabilidade. Uma de suas ideias mais alopradas, a de aumentar a meta de inflação, teria o efeito contrário àquele pretendido pelo presidente, pois sinalizaria leniência com o descontrole de preços e levaria o mercado a esperar um IPCA ainda mais alto, o que por sua vez exigiria juros ainda maiores. Aliás, a prudência do Conselho Monetário Nacional, onde o governo tinha maioria garantida, com dois ministros (Fazenda e Planejamento) contra o presidente do BC, foi crucial para a decisão de quarta-feira: a “queda das expectativas de inflação para prazos mais longos, após decisão recente do Conselho Monetário Nacional sobre a meta para a inflação”, foi citada no comunicado entre os fatores que deram ao Copom “a confiança necessária para iniciar um ciclo gradual de flexibilização monetária”. Em outras palavras, se Haddad e Simone Tebet tivessem seguido o chefe e escolhido mudar a meta de inflação, muito provavelmente não haveria clima hoje para uma redução na Selic.

Talvez mais importante que a redução atual, que dividiu o Copom, seja a sinalização para novas quedas futuras de meio ponto porcentual – esta, sim, uma observação unânime. “Em se confirmando o cenário esperado, os membros do Comitê, unanimemente, anteveem redução de mesma magnitude nas próximas reuniões”, diz o comunicado. A chave, obviamente, está na expressão “em se confirmando o cenário esperado”. As expectativas de inflação futura ainda não estão totalmente ancoradas e o IPCA não convergirá para a meta em 2023: hoje, o acumulado de 12 meses está ligeiramente abaixo dos 3,25%, mas o Copom prevê “uma elevação da inflação acumulada em 12 meses ao longo do segundo semestre”, para algo ligeiramente abaixo de 5%. A inflação de serviços continua bastante resiliente e a saúde fiscal do país ainda demanda muitos cuidados, com um arcabouço fiscal baseado não no ajuste da despesa, mas na busca frenética por receita.

“Confirmar o cenário esperado”, portanto, é missão não do Copom ou do Banco Central, mas dos agentes políticos, especialmente Lula e sua equipe econômica. É verdade que há circunstâncias que escapam ao controle, como as cotações internacionais de commodities ou as consequências de desdobramentos da invasão russa na Ucrânia, mas também há fatores de risco internos. Medidas que sinalizem para descontrole no gasto público, por exemplo, podem colocar a perder o trabalho de trazer as expectativas de inflação futura para os níveis que permitiram o corte desta quarta-feira. “A conjuntura atual (...) demanda serenidade e moderação na condução da política monetária”, diz o comunicado. Qualquer passo em falso comprometerá a continuação do ciclo recém-iniciado.

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