O Senado teve a palavra final na tramitação do pacote de ajuda a estados e municípios, que, no fim das contas, não saiu tão ao agrado do governo quanto desejava o ministro Paulo Guedes graças a pressões corporativistas na Câmara dos Deputados, e que acabaram resvalando também na câmara alta do Congresso brasileiro. Ficará para o presidente Jair Bolsonaro a decisão sobre o alcance exato da contrapartida que estados e municípios darão para poderem ter acesso aos R$ 125 bilhões do pacote, divididos quase que igualmente entre repasses e adiamento do pagamento de dívidas.
O Senado havia substituído o PLP 149/19 – originário da Câmara e que começou sua tramitação como o Plano Mansueto, sem relação nenhuma com o coronavírus – pelo PLP 39/2020, este, sim, um projeto criado já tendo em vista a cooperação entre União, estados e municípios, embora seu texto original fosse muito diferente do agora aprovado. Como o PLP 39 havia começado sua tramitação no Senado, a casa ganhou a prerrogativa de definir a versão final do texto – uma estratégia razoável, já que a Câmara tinha sido a responsável pela “bomba fiscal” que poderia custar centenas de bilhões de reais ao governo sem contrapartida alguma dos entes subnacionais.
Os trabalhadores da iniciativa privada têm salário reduzido ou perdem o emprego, enquanto ao funcionalismo, já protegido do pior graças à estabilidade, pede-se um sacrifício muito menor
Foram dois os cavalos de batalha que opuseram senadores e deputados. O primeiro era o critério de distribuição da parte destinada aos estados: o Senado queria que o critério de distribuição levasse em consideração a taxa de casos da Covid-19 entre a população, enquanto a Câmara defendeu o uso do número absoluto de casos. No fim, prevaleceu a posição do Senado, e que, coincidentemente ou não, deixou o Amapá, estado do relator e presidente da casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), no topo da lista dos repasses. Mas a força do corporativismo se mostrou no segundo ponto de discórdia: o congelamento dos salários dos servidores.
Na sessão da terça-feira, dia 5, na Câmara, os partidos de esquerda, ao perceber que seria impossível a remoção pura e simples do trecho do PLP 39 que previa o congelamento, passaram a tentar incluir o máximo possível de categorias no grupo dos que não estariam sujeitos à medida. Originalmente, apenas categorias diretamente ligadas ao combate à pandemia estariam livres do congelamento, mas os deputados incluíram na lista uma série de outros servidores, como vários grupos de policiais (até mesmo os legislativos, que fazem a segurança do Congresso), fiscais agropecuários e professores. Com isso, a economia prevista com o congelamento, estimada inicialmente em R$ 130 bilhões, caiu para R$ 43 bilhões, nas contas da equipe econômica. Alcolumbre, que inicialmente parecia disposto a retomar o texto original do Senado, acabou tirando da lista apenas os policiais legislativos, salvando do congelamento todos os demais. Foi essa a versão aprovada no Senado na quarta-feira, dia 6.
Nesta quinta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, pediu a Bolsonaro que vete as exceções ao congelamento, e Jair Bolsonaro respondeu afirmando que segue “a cartilha de Paulo Guedes na economia. Se ele acha que deve vetar, assim será feito”. No entanto, a julgar pelas palavras do líder do governo no Congresso, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), na tribuna da Câmara, o próprio presidente havia apoiado a ampliação das categorias de servidores livres do congelamento – e, de fato, praticamente toda a bancada bolsonarista apoiou os destaques. Não surpreenderia, já que, durante a tramitação da reforma da Previdência, Bolsonaro também interveio em favor de algumas categorias das quais ele é próximo desde os tempos de deputado, ajudando a desidratar a proposta do próprio governo.
Que os servidores e as entidades que os representam defendam seus interesses é algo compreensível; no entanto, em momentos cruciais como o que vivemos, também há lugar para a nobreza e a consciência de perceber que a maioria dos trabalhadores da iniciativa privada sofrerá com a redução do salário, a suspensão do contrato de trabalho ou até mesmo a perda do emprego, enquanto ao funcionalismo, já protegido do pior graças à estabilidade, pede-se um sacrifício muito menor. Quanto aos parlamentares, era sua tarefa analisar o pleito dos servidores à luz do cenário maior, que também inclui o estado precário das contas dos estados e municípios. Não o fizeram, jogando a responsabilidade para o presidente Bolsonaro – que terá de escolher mais uma vez entre o corporativismo e a responsabilidade fiscal, dois senhores aos quais não se pode servir ao mesmo tempo.
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