Em troca de dezenas de bilhões de reais de um pacote de ajuda federal a estados e municípios, a equipe econômica comandada por Paulo Guedes só pediu uma contrapartida importante e muito razoável: o congelamento dos salários do funcionalismo por 18 meses. Depois de ter trabalhado para blindar dessa medida boa parte dos servidores, orientando a bancada governista na Câmara dos Deputados a apoiar alterações no projeto de lei, Jair Bolsonaro deu declarações prestigiando Guedes e prometendo vetar os trechos cuja inclusão que o próprio presidente havia incentivado. A definição deveria ter vindo até quarta-feira da semana passada, dia 13, mas no mesmo dia Bolsonaro recuou e disse que, antes de bater o martelo, gostaria de acertar ponteiros com governadores e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sobre o tema.
Enquanto isso não ocorre, um dos principais medos de Paulo Guedes está se tornando realidade: assembleias legislativas e governadores estão torrando o dinheiro prometido antes mesmo de ele chegar aos cofres estaduais, aprovando reajustes a seus servidores a toque de caixa antes que um eventual veto se torne realidade, aproveitando a inação do presidente da República. No mesmo dia 13 em que Bolsonaro deveria ter anunciado os vetos caso tivesse mantido sua promessa, o Congresso aprovou aumentos para policiais civis, militares e bombeiros do Distrito Federal. A mensagem estava devidamente enviada, e foi compreendida em vários estados.
Se o dinheiro do pacote federal está fazendo falta para atender a população, por que há estados aumentando os gastos com o funcionalismo?
O Mato Grosso, por exemplo, concedeu aumento a servidores com salários mais altos (em alguns casos, mais que dobrando os vencimentos), com direito a votação no sábado. Na Paraíba, os deputados estaduais aprovaram medida provisória que dava reajuste de 5% a todo o funcionalismo – a justificativa do governador foi a de que a MP tinha sido assinada em janeiro, antes da pandemia, como se as circunstâncias não tivessem se modificado radicalmente desde então. No Rio de Janeiro, que está praticamente falido, o aumento só não se concretizou porque houve mobilização popular.
Na sexta-feira, secretários de Fazenda de todos os estados e do Distrito Federal assinaram uma carta pedindo a Bolsonaro a sanção do pacote de ajuda, alegando que o dinheiro está fazendo falta para “atender as aflições da população frente ao avanço exponencial das curvas de contaminação e mortes do país”. Os secretários ainda afirmam que os valores aprovados pelo Congresso são “insuficientes para o tamanho das intervenções públicas necessárias nessa crise”. Ora, se é assim, por que há estados aumentando os gastos com o funcionalismo? Por que fazer ainda mais concessões a uma categoria que, nunca é demais lembrar, passará incólume pelos apuros que milhões de brasileiros na iniciativa privada estão enfrentando, como a redução salarial, o desemprego ou a falência? O dinheiro gasto com esses reajustes não deveria estar sendo empregado nas ações de combate à pandemia, de reforço da rede hospitalar, de ajuda aos que estão sofrendo mais duramente os impactos econômicos da crise?
Por tudo isso, é com toda a razão que Guedes desabafou, também na sexta-feira, ao criticar os pedidos de reajuste do funcionalismo neste momento. É “inaceitável que tentem saquear o gigante que está no chão. Que usem a desculpa da crise da saúde para saquear o Brasil na hora em que ele cai. Nós queremos saber o que podemos fazer de sacrifício pelo Brasil nessa hora e não o que o Brasil pode fazer por nós”, afirmou o ministro, ao pedir que “não assaltem o Brasil”. Os termos usados na ocasião, como a referência a “mercenários”, podem soar duros, mas refletem a frustração de quem vem se empenhando há mais de um ano para que o país entre no caminho da responsabilidade fiscal e se vê falando para as paredes quando se trata de convencer quem decide.
E, se governadores e deputados estaduais estão em condições de destinar dinheiro que não têm a uma categoria que nem de longe é a mais prejudicada pela pandemia, é porque existe um enorme descompasso entre as palavras e as ações de Bolsonaro. No discurso, Guedes é prestigiado, é o dono da pauta da economia, são seus conselhos que o presidente promete seguir. Mas na hora de agir ocorreu o oposto até agora: foi com aval de Bolsonaro que várias categorias de servidores foram salvos do congelamento na Câmara, e é a demora do presidente que dá oportunidade para a fragilização da contrapartida que Guedes esperava de estados e municípios. Bolsonaro tem a chance de mostrar que também está do lado da responsabilidade, contra o corporativismo: basta usar a caneta para transformar em realidade tudo o que vinha dizendo sobre o veto.
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