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Editorial

O corte de gastos vai ficando para o Dia de São Nunca

Fernando Haddad disse que não há data definida para anúncio de medidas de corte de gastos.
Fernando Haddad disse que não há data definida para anúncio de medidas de corte de gastos. (Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda)

A promessa: depois do segundo turno das eleições municipais, seria anunciado um pacote de corte de gastos que poderia economizar de R$ 30 bilhões a R$ 50 bilhões – o que ainda é pouco diante do crescente rombo fiscal brasileiro, mas já seria alguma coisa. A realidade: o pleito já acabou, os vencedores estão comemorando, os derrotados estão lamentando, e nem Deus sabe quando teremos algum corte de gastos neste país, de acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Na terça-feira, Haddad disse a jornalistas que “não tem uma data [para o anúncio], ele [Lula] que vai definir”, limitando-se a acrescentar que “a gente está avançando a conversa, estamos falando muito com o [Ministério do] Planejamento também”. A fala do ministro, tido como um dos mais “fiscalmente responsáveis” do atual governo (o que dá uma ideia do tamanho do problema em que estamos metidos), fez disparar o dólar, que já havia rompido a marca dos R$ 5,70 no fim da semana passada, e agora se aproxima dos R$ 5,80, empurrado também por outros fatores, como a possibilidade de uma vitória de Donald Trump na eleição presidencial norte-americana, no início de novembro.

Quem tem de bater o martelo sobre o corte de gastos é o mesmo Lula que, sempre que pode, minimiza a necessidade de ajustes fiscais e classifica toda despesa como “investimento” que tem de ser preservado

Qualquer bom observador da forma como o governo Lula lida com as contas públicas já tinha motivos mais que suficientes para duvidar da promessa de Haddad e da ministra do Planejamento, Simone Tebet. A hesitação e o lançamento de sucessivos balões de ensaio dava a entender que, mesmo estando prestes a completar dois anos de mandato, o governo não tem a menor ideia do que pretende fazer além do bastante óbvio combate aos supersalários no setor público. E, ainda assim, um estudo de um think tank liberal mostra que o projeto de lei contra os supersalários no qual o governo aposta suas fichas mantém nada menos que 32 penduricalhos, o que dificultará a alardeada economia de R$ 5 bilhões.

Com Haddad queimado pelas falas de terça-feira, coube ao ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, tentar fazer o papel de bombeiro. Em entrevista na quarta-feira, ele prometeu que “o presidente Lula vai fazer os ajustes necessários para manter o crescimento do país, assegurar investimentos e cumprir o arcabouço fiscal, enquadrando as despesas dentro das regras da meta fiscal”. Acredita quem quiser: o mercado financeiro não acreditou, e o dólar continuou a subir, por um motivo muito simples: quem tem de bater o martelo sobre o corte de gastos é o mesmo Lula que, sempre que pode, minimiza a necessidade de ajustes fiscais e classifica toda despesa como “investimento” que tem de ser preservado.

Se o passado ajuda de alguma forma a prever o futuro, o mais provável é que tenhamos cortes inócuos, ou que mais despesas sejam colocadas para fora das regras de cálculo do arcabouço fiscal, que será cumprido no papel, ainda que o déficit primário real seja muito maior que o anunciado pelo governo. A alternativa é ainda pior: que, escaldado pelos resultados medíocres nas eleições municipais, o petismo pise ainda mais fundo no acelerador dos gastos, “fazendo o diabo” – como diria Dilma Rousseff, também autora do “gasto é vida” que norteia o atual governo – para não perder em 2026, mesmo que isso destrua de vez qualquer tentativa de controle da inflação, um dos primeiros indicadores a sair do controle quando a responsabilidade fiscal é sacrificada.

Na semana passada, em Washington, Haddad fez pouco das estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a trajetória da dívida pública brasileira, com salto dos atuais 87,6% do PIB para 97,6% em 2029. “Não acredito nessa trajetória. Se você está descrevendo o que está no documento, eu não acredito que ela vá acontecer”, disse o ministro. Evidentemente, Haddad demonstra fé na capacidade de conter a dívida; mas, da forma como o governo vem conduzindo a questão fiscal, realmente é bem possível que as previsões do FMI não se concretizem, embora da forma oposta à esperada pelo ministro: um Brasil em caos fiscal tem tudo para chegar aos 97,6% de relação dívida/PIB bem antes de 2029.

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