Com grande estardalhaço, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou que o governo federal irá cortar R$ 10 bilhões nas despesas previstas para este ano. A medida seria uma contribuição do Tesouro Nacional para o combate à inflação, que ameaça subir em face do aquecimento da demanda agregada. Conforme a Gazeta do Povo alertou em editoriais recentes, o crescimento da procura por bens e serviços acima da capacidade produtiva do país provoca elevação dos preços e coloca em risco a meta inflacionária de 4,5% para 2010. O aumento dos gastos públicos sem a contrapartida em aumento na arrecadação tributária é um dos fatores principais na determinação do crescimento da demanda e atua como uma das causas primárias de inflação.
Ao elevar a taxa básica de juros, a Selic, na reunião do fim de abril passado, de 8,75% para 9,5% ao ano, o Banco Central (BC) deixou clara sua disposição de, mesmo sendo ano eleitoral, aumentar os juros, caso a pressão inflacionária continue. A ação do BC foi um recado para as autoridades econômicas de que, se o governo seguisse relaxando seus gastos e aumentando o déficit público (que provoca inflação), novas altas de juros poderiam vir para combater o aumento dos preços. O presidente Lula sabe que a soma de inflação crescente com taxa de juros em alta é uma combinação explosiva, que empobrece a sociedade e corrói a popularidade de qualquer governante. Em ano eleitoral, isso é tudo que o governo não deseja.
Apesar de divulgar, com bastante ênfase, o corte de R$ 10 bilhões nos gastos do governo, é preciso entender de que se trata. No segundo semestre de cada ano, o governo envia ao Congresso Nacional a proposta de orçamento para o ano seguinte, a qual estima as receitas e fixa as despesas. Após tramitar no Legislativo, o Orçamento Geral da União é aprovado e torna-se o guia financeiro das ações governamentais durante todo o ano. O orçamento é uma peça que autoriza as despesas do governo, sem obrigar que seja gasto tudo que está orçado. Nesse documento é explicitado quanto e onde o governo pretende gastar, qual a arrecadação tributária prevista e quais empréstimos serão feitos durante o ano. Ao fim, o saldo do orçamento fiscal mostra o tamanho do déficit público nominal planejado para o ano. Aí é que entra uma pergunta: o que o governo está, de fato, cortando?
Ao anunciar que gastará R$ 10 bilhões a menos do que estava previsto, o governo está dizendo que cortará despesas lançadas no orçamento, que eram desejos e não gastos obrigatórios. As despesas públicas compõem-se de seis itens: pessoal, custeio, investimentos, transferências diretas (a exemplo do Bolsa Família e aposentadorias) juros e amortização de dívidas vincendas no ano. As despesas que o governo tem condições políticas de reduzir são as de custeio e os investimentos públicos. Os gastos com pessoal, as transferências diretas, os juros e as amortizações da dívida são valores praticamente definidos e quase impossíveis de cortar no correr do próprio ano. As despesas de custeio (viagens, diárias, vigilância, material de escritório, água, luz, telefone etc.) totalizam R$ 35 bilhões em 2010 e não é possível reduzir R$ 10 bilhões somente nessa rubrica. Portanto, a conclusão é uma só: virão cortes de investimentos.
O que sobra de todo esse barulho é que o governo tomou consciência de que ele aumentou demais os gastos com a máquina administrativa, contratou muita gente, foi relaxado na concessão de reajustes salariais e, agora, não escapará de diminuir os gastos com investimentos, que são os mais necessários para o país. Infelizmente, o gasto mais importante para preparar o crescimento futuro do Brasil é o investimento em infraestrutura física e social: energia, transporte, portos, aeroportos, hospitais, escolas etc., e é justamente esse tipo de gasto que sofrerá reduções. Ademais, é nesse cenário que o governo anuncia a reativação da Telebrás, estatal que deverá responsabilizar-se por levar internet de banda larga à população, para o que serão necessários investimentos de bilhões de reais, dinheiro que o governo não tem.
O erro não está em o governo anunciar corte nos seus gastos, como forma de reduzir o déficit público, diminuir a demanda agregada e não elevar a já aquecida demanda agregada, tudo para combater a inflação e impedir a elevação da taxa de juros. O erro está no fato de o governo Lula ter sido mão aberta na concessão de reajustes salariais para o funcionalismo, ter exagerado no aumento do pessoal da máquina pública, ter soltado os gastos da Previdência Social e confiado demais na estrela do governo. A conta chegou e ela tem de ser paga, mesmo sendo ano eleitoral. A piora nos resultados das contas públicas no primeiro trimestre deste ano acendeu a luz vermelha, mostrando que ou o governo põe o pé no freio dos seus gastos ou as contas fiscais vão piorar e a população vai sofrer as consequências. A dúvida é se a redução de R$ 10 bilhões nos gastos será suficiente para evitar o pior. Parece que será pouco.