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O racialismo parece avançar a passos largos no Brasil. A presidente Dilma Rousseff, por exemplo, acabou de pedir urgência em um projeto que cria cotas para negros no serviço público. Mas hoje queremos tratar de outro caso: a aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal, de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece cotas para negros no Congresso, assembleias legislativas e câmaras municipais. No mínimo 20% e no máximo 50% das cadeiras deverão ser necessariamente preenchidas por parlamentares que tenham se declarado negros ou pardos nos censos demográficos do IBGE.

Os eleitores votariam em duas listas separadas – uma dos candidatos "sem raça" e outra formada por afrodescendentes – de tal modo a garantir que pelo menos um quinto das vagas em disputa seja obrigatoriamente ocupado por esses últimos. Luiz Alberto (PT-BA), autor do projeto e líder da Frente Parlamentar Mista pela Igualdade Racial, argumenta que, se incluída na Constituição, sua proposta representaria "um choque de democracia no Legislativo" – um raciocínio tortuoso que pode levar exatamente ao oposto do que pretende e, mais do que isso, a um retrocesso recheado de perigosas consequências. A pior das consequências seria de, na prática, institucionalizar o racismo no campo político.

Houve um tempo na história do Brasil em que eleitores e eleitos circunscreviam-se apenas aos "homens bons" – expressão que designava os cidadãos com mais de 25 anos pertencentes a ilustres linhagens familiares e que dispusessem de alguma riqueza e propriedades. Só esses podiam votar e ser votados, o que resultava em uma participação "popular" restrita a não mais de 2% dos brasileiros da época. Aos escravos, aos pobres e às mulheres não se concediam tais direitos. Foram necessários séculos de aprendizado civilizatório para que o país reconhecesse como iguais perante a lei todos os brasileiros, independentemente de gênero, etnia, credo ou condição socioeconômica, dando-lhes idênticos direitos e deveres de cidadania plena.

Aplicada aos processos eleitorais, esta realidade se resume no axioma "um homem, um voto" – todos, entretanto, livres para escolher em quem votar segundo suas próprias convicções ou opções. Inclusive, se assim lhes aprouver, pela cor da pele, pela religião ou pelas causas defendidas pelos candidatos.

O contrário, como quer a infeliz PEC aprovada pela CCJ, é pernicioso, pois no fundo promove a desigualdade e a discriminação ao tornar obrigatória a eleição de porcentual de negros para os legislativos. Nesse caso, por que também não instituir cotas para outros grupos étnicos que compõem a sociedade brasileira e dela fazem uma das mais invejáveis democracias raciais do planeta? Ou para as demais minorias? Promover tais cotas no Legislativo não faz sentido em nenhum dos casos, pois o que faz a qualidade de um parlamentar é o seu senso ético e sua preocupação com o bem comum, e não a cor da pele, o sexo, a religião, a orientação sexual ou quaisquer outras características.

Maior preocupação com a etnia negra demonstrariam projetos que promovessem sua ascensão educacional, cultural, econômica e social, e que beneficiassem também a tantos quantos, independentemente da cor ou de quaisquer outros fatores, se encontram excluídos das oportunidades a que têm direito – principalmente a de manter a dignidade da própria condição humana.

Se o problema de acesso enfrentado pelos negros aos parlamentos, como também argumenta o autor da PEC, se deve ao pouco espaço que lhes dão os partidos políticos, mais conveniente e apropriado é que se incentive as legendas a diversificar sua militância e a lançar candidatos que representem a diversidade encontrada entre seus membros ou na sociedade brasileira.

Do contrário, estaremos retrocedendo no tempo – ao tempo em que os brasileiros já nasciam desiguais.

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