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Editorial

A CPI da Covid e a intimidação contra a imprensa

Os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Humberto Costa (PT-PE) requisitaram a quebra de sigilo bancário da Jovem Pan. (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)

O ódio petista à imprensa não subserviente ao partido se encontrou com o oportunismo de uma das figuras mais nefastas da política nacional para promover uma nova rodada de intimidação contra veículos de imprensa. Não há outra maneira de descrever a iniciativa dos senadores Humberto Costa (PT-PE) e Renan Calheiros (MDB-AL), respectivamente membro e relator da CPI da Covid, de pedir a quebra de sigilo bancário do grupo que controla a rádio Jovem Pan, com centenas de afiliadas em todo o país; do site Brasil Paralelo, produtor de conteúdos e documentários para a internet; e de outros sites jornalísticos com perfil ideológico mais liberal-conservador, alguns dos quais também manifestam apoio explícito ao presidente Jair Bolsonaro.

Nesta terça-feira, quando a CPI retoma os trabalhos após o recesso parlamentar, os membros da comissão votarão mais de uma centena de requerimentos, incluindo os dirigidos aos veículos de comunicação. Além da quebra de sigilo bancário do grupo Jovem Pan, também estão na mira da dupla de senadores quatro indivíduos – Allan dos Santos, Raul Nascimento dos Santos, Paulo Enéas, José Pinheiro Tolentino Filho e Tarsis de Sousa Gomes (Renova Mídia), respectivamente responsáveis pelos sites Terça Livre, Conexão Política, Crítica Nacional, Jornal da Cidade e Renova Mídia – e mais duas empresas: as produtoras LHT Higgs, do Brasil Paralelo, e Farol Produções Artísticas, do site Senso Incomum. Todos eles são classificados como “grandes disseminadores das chamadas ‘fake news’”.

Investigação levada a cabo sem o menor sinal de cometimento de crime é mais que uma aberração: é autêntico arbítrio

Uma análise rápida dos requerimentos mostra tanto o amadorismo do trabalho quanto o viés autoritário da medida. Em autêntico copia-e-cola, mesmo os requerimentos destinados à quebra de sigilo de pessoas jurídicas traz trechos como “a referida pessoa é protagonista na criação e/ou divulgação de conteúdos falsos na internet, classificada até mesmo como verdadeira ‘militante digital’” e “a pessoa contra quem se busca a quebra e a transferência de sigilo é (ou foi) assessora especial do Poder Executivo. Porém atua no chamado ‘gabinete do ódio’”. Além disso, os requerimentos falham em apontar qualquer indício concreto de crime que justifique a adoção de uma medida tão drástica quanto a quebra de sigilo bancário – no caso da Jovem Pan, por exemplo, isso forçaria a empresa a apresentar dados de movimentação de todas suas contas desde 2018, comparando os períodos anterior à pandemia e atual, além de informar os dados de pessoas naturais e jurídicas a ligadas ao grupo.

Jornalistas e veículos de imprensa não são imunes a investigação. Podem e devem ser investigados, assim como quaisquer outras pessoas e empresas – mas isso não se faz com requerimentos padronizados e genéricos, produzidos com mostras evidentes de pura desatenção, e sem apontar concretamente quais são os supostos ilícitos e os indícios nos quais se baseiam pedidos como quebras de sigilo. Investigação levada a cabo sem o menor sinal de cometimento de crime é mais que uma aberração: é autêntico arbítrio. E, quando ele se dirige a veículos de comunicação, torna-se também intimidação que coloca em xeque as liberdades de expressão e imprensa, fato ressaltado por entidades representativas do setor, como a Abert, que divulgou nota condenando a tentativa de quebrar o sigilo da Jovem Pan, lembrando ainda que o papel da CPI é investigar a ação do governo federal durante a pandemia, não o trabalho de veículos de comunicação. Jovem Pan, Brasil Paralelo e Conexão Política também já vieram a público para criticar a iniciativa de Costa e Calheiros.

Mesmo os senadores críticos à postura do presidente Jair Bolsonaro têm de perceber a extrema gravidade do que se pretende fazer com este pedido de quebra de sigilo de empresas jornalísticas e seus responsáveis, elaborado sem os elementos que justifiquem medidas tão invasivas. Cabe a eles colocar um freio no arbítrio e impedir que ele se concretize. Se os senadores derem seu aval à intimidação, restará apenas o STF como última trincheira de defesa da liberdade de imprensa, mas nem ali a defesa desta liberdade é completamente garantida: episódios recentes envolvendo inquéritos abusivos, como o das fake news, já mostraram a tendência de alguns ministros a relativizar garantias fundamentais. Apenas a sensatez, seja no Legislativo, seja no Judiciário, pode impedir que uma página triste da história da liberdade de imprensa no Brasil seja escrita em breve.

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