A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), imposto federal que vigorou por 11 anos, de 1997 a 2008, tem uma marca peculiar: é uma ideia que nunca morre. Inicialmente, chamava-se Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), instituído e aplicado em 1994, sendo ressuscitado e aprovado em 1996 para cobrança a partir de 1997, sob a bandeira do ministro Adib Jatene, para quem era preciso um tributo para financiar a saúde pública no país.
Durante os 11 anos em que vigorou, a CPMF incidiu sobre as movimentações bancárias (exceto as negociações de ações na bolsa de valores), saques de aposentadorias, seguro-desemprego, salários e transferências entre contas-correntes do mesmo titular. A CPMF, é preciso reconhecer, trazia algumas vantagens: era de fácil cobrança, praticamente impossível de sonegar, não dependia de batalhão de fiscais e passou a ser usada também como instrumento de combate à sonegação de Imposto de Renda a partir do fim do ano 2000, quando começou o cruzamento de informações bancárias com as declarações de Imposto de Renda.
A celeuma sobre a necessidade de garantir recursos para os serviços públicos de saúde nunca saiu de cena, até que foi aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 29, em 13 de setembro de 2000, fixando limites mínimos do orçamento destinados à saúde. A CPMF foi prorrogada algumas vezes até que, em dezembro de 2007, o Senado derrotou a proposta, aprovada na Câmara dos Deputados, que faria a CPMF valer até 2011. Diante da derrota no Senado, o presidente Lula ficou irritado, afirmou que faltaria dinheiro para a saúde e nunca se conformou com a derrota parlamentar.
Impostos como a CPMF têm vantagens, especialmente quanto à fiscalização e impossibilidade de sonegação, mas têm efeito cascata e não atacam o verdadeiro problema da tributação no Brasil
Porém, como sempre acontece, o governo mexeu em outros tributos. Aumentou o PIS, a Cofins, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) – somente para os bancos, a CSLL foi elevada de 9% para 15% –, medidas com as quais recuperou mais da metade dos R$ 40 bilhões estimados como receita da CPMF em 2008, se ela continuasse valendo. Eternamente magoado com a derrota da CPMF no parlamento, logo nas semanas seguintes à eleição de Dilma Rousseff, em 2010, Lula voltaria a falar na recriação desse tributo e Dilma entrou na onda, defendendo a proposta, mesmo tendo prometido durante a campanha que faria a reforma tributária e reduziria tributos.
Dados da época já mostravam que, dos R$ 40 bilhões arrecadados com a CPMF, não mais de um terço efetivamente era destinado à saúde; os outros dois terços iam para o Orçamento Geral da União. A CPMF, com sua capacidade de nunca morrer, ressurgiu junto à proposta de regulamentação da PEC 29, com o nome de Contribuição Social para a Saúde (CSS) e com a alíquota de 0,1% sobre as movimentações financeiras, que sozinha daria R$ 10 bilhões de arrecadação e certamente seria aumentada depois. No mês seguinte às eleições de 2010, vários governadores passaram a apoiar a presidente eleita na proposta de recriar a CPMF.
Ao lado desta incrível capacidade de nunca morrer, a ideia da CPMF nunca se fez acompanhar de um plano para corrigir problemas graves na gestão da saúde pública no Brasil, sobretudo no SUS. O setor continua precisando de um choque de gestão, redução de desperdícios e combate eficiente à corrupção. A proposta de mais recursos para a saúde é nobre, mas a solução não está em simplesmente recriar a CPMF e aumentar a carga tributária. É importante repetir: quando este imposto caiu no Poder Legislativo, o governo recuperou mais da metade do que arrecadaria com a CPMF aumentando outros tributos.
Por fim, vale mencionar que a CPMF carrega um vício: não é tributo sobre a criação de riqueza (produção de bens e serviços), nem sobre rendas geradas (salários, aluguéis, juros e lucros); é uma taxação sobre meras movimentações financeiras, e que, ainda por cima, incide em cascata. Como afirmamos, existem, sim, vantagens nesse tipo de imposto: é eficiente para o combate à sonegação fiscal e tem baixo custo de arrecadação e fiscalização. Isso é meritório, já que o sistema tributário brasileiro tem elevado custo administrativo e é foco de corrupção no processo fiscalizatório. Mas nem mesmo isso justifica trazer a CPMF de volta como mais um tributo e elevar a carga tributária.
Houve momentos, entre 1997 e 2008, em que propostas de implantação da CPMF ganharam publicidade por imaginá-la como um imposto único, mas, nos últimos tempos, ela vem ressurgindo como mais um tributo a engordar a longa lista de impostos, contribuições e taxas. Em um sistema que tributa a produção e o consumo muito mais que o patrimônio e a renda, punindo sempre os mais pobres e impedindo que se realize a chamada justiça tributária, a CPMF ou qualquer imposto assemelhado é tudo de que não precisamos.
O que Bolsonaro e a direita podem aprender com a vitória de Trump nos EUA
Perda de contato com a classe trabalhadora arruína democratas e acende alerta para petistas
O aumento dos juros e a chiadeira da esquerda; ouça o podcast
BC dá “puxão de orelha” no governo Lula e cobra compromisso com ajuste fiscal
Deixe sua opinião