Não bastasse a criatividade contábil a que o Brasil recorre para fechar suas contas, o país está dando mais um passo para acordar amanhã como uma Argentina, nação cujas estatísticas, de tão manipuladas pelo kirchnerismo, valem tanto quanto uma cédula de R$ 3. Da mesmo forma como a presidente Cristina Kirchner interveio no Indec congênere do nosso IBGE e até há pouco uma das mais respeitadas instituições de pesquisa do mundo , também o governo brasileiro decidiu que índices que se mostrem desfavoráveis à administração do PT e da presidente Dilma Rousseff devem ser subtraídos do conhecimento público.
O prognóstico sobre o risco de cairmos no mesmo descrédito internacional que atinge os argentinos decorre da decisão oficial de suspender até 2015 a divulgação da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), quando o governo, pela voz de alguns parlamentares, dentre as quais a senadora paranaense Gleisi Hoffmann, percebeu que as realidades que emergiam dos números e índices do IBGE destoavam do discurso ufanista com que se procura engodar a opinião pública.
A Pnad Contínua consiste em investigar, de modo permanente, dados socieconômicos e demográficos, levantando quesitos a respeito de educação, trabalho, renda, habitação, previdência, migrações, fecundidade, saúde, nutrição e muitos outros. Trata-se de uma radiografia continuada das realidades nacional e regionais, útil não somente como informação, mas sobretudo como instrumento de planejamento e de intervenções necessárias para corrigir as distorções e fragilidades das políticas governamentais e empresariais.
A "censura" aos dados produzidos é um mal em si mesmo, mas o grau de malignidade se acentua quando interfere na autonomia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), instituição que conquistou ao longo de décadas invejável conceito internacional. E, ao sofrer a intervenção seria apenas a primeira? virão outras?, pode-se perguntar , perde de modo generalizado, para todos os demais dados que produz, a qualidade que lhe é essencial: a credibilidade.
Desse modo, pode não estar longe o dia em que, a exemplo do que já aconteceu com o instituto argentino, o IBGE também deixará de ser uma referência confiável. A respeitada The Economist, "bíblia" em que a política e a economia mundiais se baseiam para aferir as realidades de todas as regiões do globo, já deixou de publicar dados originados do argentino Indec, transformado em aparelho político de Cristina Kirchner que, entre outras tarefas, dá-se até à de falsear vergonhosamente dados tão importantes como os da inflação do país, mostrando-a mais baixa que a real. Quando constatou as manipulações, a revista não teve dúvidas em afirmar, no editorial em que anunciou a decisão de não mais reproduzir os índices oficiais argentinos: "Estamos cansados de servir ao que parece ser uma tentativa deliberada de enganar os eleitores e de dar calote nos investidores".
A reação do corpo técnico do IBGE à intervenção começou na semana passada e não deverá terminar tão cedo. Dois diretores entregaram seus cargos; 18 outros gerentes de pesquisa ligados à Pnad também ameaçam abandonar as funções; 45 técnicos assinaram manifesto garantindo a precisão dos dados que o instituto levantou. Articula-se até uma greve inusitada: servidores em protesto defendendo não seus eventuais direitos trabalhistas, mas o direito de trabalhar mais e melhor.
Não deixa de ser um alento ver que ainda há funcionários públicos dispostos a evitar que o Brasil de amanhã seja parecido com a Argentina de hoje.
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