A década de 1980 foi um tempo de dificuldades oriundas de crises econômicas; aqueles foram, também, anos de mudanças relevantes na economia global. O mundo foi abalado em 1971 pela decisão do presidente norte-americano Richard Nixon de suspender a garantia de conversão de dólares em ouro, isto é, o dólar passou a ser moeda fiduciária (baseada na confiança); em 1973 foi desferido duro golpe na economia global pela explosão da crise do petróleo, quando o preço do barril saiu da faixa de US$ 2,20 a US$ 3 e saltou abruptamente para US$ 14; em 1979, o golpe do petróleo se repetiu, com o preço do barril pulando de US$ 14 para US$ 28. Essa sequência de fatos castigou todo o planeta, principalmente com duas graves consequências: inflação e recessão.
Na década de 1970, já estava em curso certa decepção com os rumos que, no mundo inteiro, haviam sido tomados pelo Estado, cuja trajetória desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, vinha sendo o crescimento da estatização da economia, o aumento da intervenção governamental na vida da sociedade, o excesso de regulamentação, o aumento da carga tributária e a expansão das dívidas feitas pelos governos para cobrir os déficits públicos crescentes e sem controle. As causas dessa realidade incluíam a necessidade de reconstrução mundial em face do estrago feito pela guerra e a disseminação das teorias de John Maynard Keynes, que respaldaram um Estado grande e com forte presença na economia por meio de empresas estatais e gastos públicos.
Lula foi eleito em 2022 após ter prometido repetir o desempenho econômico de sua gestão anterior, sem nem sequer mencionar o quadro mundial que lhe tinha sido altamente favorável
Os efeitos desse quadro foram inflação, recessão, aumento da dívida externa (em parte para pagar importações de petróleo aos altos preços) e governos inchados por empresas estatais (muitas delas grandes, ineficientes e corruptas). A crise do setor público atingia níveis elevados e, somada ao aumento das demandas sociais resultantes do crescimento da população, fomentou o início da uma onda antiestatizante e a favor da liberalização comercial e abertura ao exterior, resultando num processo crescente que viria a se consolidar nos anos 1990 com a abertura dos mercados globais, isto é, a globalização econômica.
A globalização, apesar de seus percalços, criou uma onda de expansão dos negócios internacionais, ampliou o comércio exterior multilateral e elevou expressivamente o movimento de capitais financeiros entre as nações. Na sequência, a economia mundial percorreu um longo período de prosperidade, crescimento do produto bruto, inflação baixa, taxa de juros declinante, aumento do consumo, ascensão de novas classes de renda e baixo desemprego. Em 2007, uma crise não imaginada começou a explodir em altas proporções.
O panorama descrito ocorreu sob um aspecto até então desconhecido: o deslocamento em grande escala de parcelas do produto mundial desde os países desenvolvidos para os países em desenvolvimento, com o efeito de elevar a poupança global e dar base para a queda da taxa de juros e da inflação. Isso ocorreu porque os países em desenvolvimento vinham com taxa média de poupança maior que os países desenvolvidos (fator importante para baixar a taxa de juros) e menor pressão dos salários embutidos no custo de produção dos bens e serviços (fator que ajudou a manter a inflação em níveis baixos). Tal percurso, apesar de alguns problemas, seguiu apresentando desempenho positivo até que, no ano de 2007, estourou uma bolha que abalaria a economia mundial.
Após os primeiros sinais em 2007, os anos seguintes presenciaram uma crise mundial gravíssima, iniciada com o estouro da crise imobiliária nos Estados Unidos, cujos efeitos se espalharam rapidamente pela Europa, Japão e alguns países produtores de petróleo que eram fortes investidores em ativos denominados em dólar norte-americano. A gravidade da crise financeira mundial foi manifestada numa sequência de crises em países como Irlanda, Espanha, Grécia, Portugal e Japão, os casos mais barulhentos de uma onda que se alastrou por países europeus da zona do euro e outros fora dela.
Naquele momento, alguns países em desenvolvimento, como os chamados “Brics” (Brasil, Rússia, Índia e China), pareciam não sofrer muito os efeitos da crise financeira, podendo seguir com seu alto ritmo de consumo, puxado principalmente pelo consumo de alimentos na China, fenômeno que favoreceu o Brasil pela elevação dos preços das commodities agrícolas. A boa onda perdurou até 2010 e contribuiu para o Brasil aumentar suas receitas no comércio exterior e ampliar as reservas internacionais em moeda estrangeira. Na época, o governo Lula foi premiado por uma realidade macroeconômica internacional altamente favorável ao Brasil.
O Brasil não está em guerra e continua favorecido pela demanda mundial de alimentos, mas o país está começando a queimar sua imagem no campo da estabilidade política, na incerteza quanto à adesão à economia de mercado e quanto ao futuro da democracia
Lula agora está em seu terceiro mandato, eleito após ter prometido repetir o desempenho econômico de sua gestão anterior, sem nem sequer mencionar o quadro mundial que lhe foi altamente favorável e havia sido revertido logo no início do governo Dilma Rousseff. Embora tenha tomado decisões erradas, como abandonar a matriz macroeconômica que vinha desde o governo Fernando Henrique Cardoso (e que era baseada em superávit fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante) e ter sido chefe de um dos governos mais corruptos da história brasileira, Dilma não teve a mesma sorte de Lula quanto ao cenário econômico mundial favorável, fazendo que ela passasse o tempo todo construindo a narrativa de que os desacertos de seu governo eram causados pela crise internacional.
O mundo agora vive uma fase de crises e oportunidades. Entre as crises estão os cenários de guerra e suas consequências – especialmente o caso da guerra entre Rússia e Ucrânia, que criou graves problemas no comércio de petróleo, gás, alimentos e insumos industriais – e os déficits públicos que, ademais de empurrarem a inflação para cima, exigirão sacrifícios decorrentes das dívidas públicas deles derivadas.
O Brasil não está em guerra e continua favorecido pela demanda mundial de alimentos, mas o país está começando a queimar sua imagem no campo da estabilidade política, na incerteza quanto à adesão à economia de mercado e, principalmente, dúvidas quanto ao futuro da democracia política. Isto é, o Brasil pode acabar fabricando sua própria crise nas relações internacionais, pois os investidores estrangeiros já começam a se indagar se o Brasil lhes garantirá segurança jurídica e liberdade econômica para aqui investirem. O mundo apresenta oportunidades, a exemplo do enorme volume de capital financeiro em busca de oportunidades, lugares e projetos bons, rentáveis, seguros e estáveis no longo prazo. O problema é saber se o Brasil repetirá sua eterna sina de jogar fora as oportunidades, esmerando-se em criar suas manchas políticas e institucionais. Nisso está o desafio da sociedade, dos políticos e do governo.