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Editorial

Cunha, a prisão e a narrativa

 | Wilson Dias/Agência Brasil
(Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

“E o Cunha?” A pergunta era repetida à exaustão Brasil afora a cada nova etapa da Operação Lava Jato. Não faltou quem a dirigisse explicitamente ao juiz federal Sergio Moro e ao procurador Deltan Dallagnol mesmo enquanto Eduardo Cunha ainda era deputado – detentor, portanto, de foro privilegiado, caso em que sua denúncia precisaria ser (e foi) oferecida ao Supremo Tribunal Federal (e não a Moro) pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot (e não por Dallagnol). Pois Moro, ao ter a chance de dar uma resposta à questão que não queria calar, não perdeu tempo: menos de uma semana depois de dar sequência à ação penal contra o ex-deputado, determinou a prisão de Cunha, acusado de receber propina no petrolão e de ocultar os bens usando contas no exterior.

Em 14 de setembro – dois dias depois da cassação de Cunha –, o ministro do STF Teori Zavascki determinou o envio do processo à Justiça Federal em Curitiba, devido à perda do foro privilegiado. A publicação do acórdão só ocorreu em 5 de outubro; no dia 13, Moro deu sequência ao processo na primeira instância e, na segunda-feira passada, dia 17, intimou Cunha, que teria dez dias para apresentar sua defesa após receber a intimação. Mas Moro viu a necessidade de mandar prender o ex-deputado antes que expirasse o prazo.

Mais uma vez fica evidente o contraste entre Curitiba e Brasília

Em seu despacho, Moro alegou que Cunha, mesmo tendo perdido o mandato, ainda conservava poder e influência suficientes para obstruir a investigação e intimidar testemunhas, além de haver risco de fuga do ex-deputado, pois nem todos os seus recursos no exterior teriam sido rastreados, havendo a possibilidade de ele conseguir se manter fora do país com dinheiro ainda não descoberto pelas autoridades brasileiras ou estrangeiras – Cunha tem cidadania italiana, o que facilitaria muito sua eventual vida de foragido. Todos esses fatores são justificativas para a prisão preventiva, solicitada pelo Ministério Público Federal e concedida por Moro.

Mais uma vez fica evidente o contraste entre Curitiba e Brasília, pois Janot havia usado argumentos muito semelhantes para pedir a prisão de Cunha quando ele ainda era deputado, mas o pedido passou meses na gaveta de Zavascki sem ser apreciado, o que já foi ressaltado pela defesa de Cunha como prova de que não haveria motivos sólidos para a prisão. A obstrução da Lava Jato, no entanto, foi invocada por Zavascki – e a alegação foi aceita pelo plenário do STF – quando Cunha teve seu mandato de deputado suspenso e foi afastado da presidência da Câmara, no início de maio deste ano. De fato, os métodos nada republicanos de Cunha eram amplamente conhecidos; a intimidação e a chantagem foram algumas das armas com que ele conseguiu protelar ao máximo o andamento do seu processo de cassação.

E a discussão sobre a existência de fundamentos para a prisão preventiva de Cunha extrapola o campo jurídico, pois tem seus efeitos sobre a distorção da realidade promovida pelo petismo militante. Por mais popular que fosse a narrativa segundo a qual a Lava Jato age de forma seletiva, caçando apenas os petistas e deixando impunes os políticos de outros partidos, apenas uma desconexão muito grande com os fatos justificaria esse raciocínio. Primeiro, porque os presos, acusados e condenados não são apenas membros do PT; segundo, porque, dado que o esquema tem no PT o seu grande protagonista e executor, seria mais que natural ver muitos petistas entre os encrencados com a Justiça. E os mesmos que até ontem viviam cobrando a prisão de Cunha, alegando que o fato de ele seguir livre seria prova da parcialidade da Lava Jato, não mudaram de opinião agora que seu desejo se tornou realidade. Pelo contrário: quase que imediatamente passou a correr a versão segundo a qual Moro só mandou prender Cunha para poder fazer o mesmo em breve com Lula – ou seja, o juiz teria cometido uma arbitrariedade só para poder cometer outra logo em seguida sem ser visto como “seletivo”. Definitivamente, é muita vontade de passar ridículo em público.

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