Eduardo Cunha não resistiu à pressão. Investigado pela Lava Jato, réu no Supremo Tribunal Federal, com processo de cassação correndo na Câmara dos Deputados, o até agora presidente afastado da casa tinha conseguido uma pequena vitória na quarta-feira, quando o relator do seu recurso na Comissão de Constituição e Justiça defendeu que o processo no Conselho de Ética tinha irregularidades, e por isso precisaria ser refeito. Mas, no dia seguinte, Cunha anunciou sua renúncia à presidência da Câmara, mantendo, no entanto, seu mandato.
O deputado diz ser alvo de perseguição por ter dado início ao processo de impeachment de Dilma Rousseff. Fazer-se de vítima é atitude comum: a própria Dilma a tem utilizado com descarada frequência. Mas a verdade é que, assim como a presidente da República afastada, Cunha cai pelos próprios erros – não só aqueles de que é acusado no petrolão, mas também pela arrogância de ter se apresentado voluntariamente à CPI da Petrobras para mentir sobre suas posses no exterior, o que levou à acusação de quebra de decoro.
Cunha certamente tentará emplacar como sucessor um aliado que facilite sua vida
As lágrimas derramadas enquanto Cunha anunciava sua renúncia, no entanto, não devem iludir ninguém. Se tivesse alguma nobreza, ele teria deixado o posto – e, quem sabe, o mandato – muito tempo atrás. Se o fez só agora, é porque tem uma estratégia, inspirada no senador alagoano Renan Calheiros. Em 2007, o presidente do Senado viu seu nome envolvido em uma série de denúncias: entre outros malfeitos, empreiteiras bancariam a pensão alimentícia de sua amante e Calheiros seria o verdadeiro dono de empresas de comunicação, tendo usado laranjas para o negócio. Seu processo de cassação foi aberto e Calheiros enfrentou várias votações no plenário. Ele já tinha sido absolvido por seus pares em duas acusações quando renunciou à presidência do Senado às vésperas de uma nova votação. No fim, Calheiros manteve o mandato, as denúncias submergiram e, em 2013, com o apoio de Dilma Rousseff, foi novamente eleito para o posto a que tinha renunciado anos antes.
É com isso que Cunha conta: que a decisão voluntária de renunciar à presidência da Câmara amoleça o coração de seus pares, de formas mais ou menos nobres, para que o poupem da mais dura das penas, a cassação do mandato. Como se, ao renunciar, ele voltasse a ser simplesmente mais um entre 513 parlamentares e os holofotes se afastassem dele – uma esperança vã, já que é impossível voltar atrás na dimensão do escândalo que o envolve – para que, sem o destaque do cargo de presidente da Câmara, ele possa até voltar a realizar as manobras habituais.
É isso que a Câmara tem de impedir, pois um caso como o de Renan Calheiros já é tenebroso o suficiente para que tenhamos de presenciar sua repetição na Câmara. Cargos jamais deveriam ser objetivo de barganha, nem na hora de ocupá-los, nem na hora de deixá-los. Por isso, merece atenção máxima a eleição para o novo presidente da casa – um efeito colateral benéfico da renúncia de Cunha é a necessidade de a Câmara escolher seu sucessor, alijando Waldir Maranhão (PP-MA), o interino que também é investigado na Lava Jato e que andou até mesmo se encontrando com o ex-presidente Lula. Cunha certamente tentará emplacar um aliado que facilite sua vida, caso o plenário tenha de decidir se cassa ou não seu mandato. Os deputados têm a chance de eleger alguém sobre quem não pairem suspeitas, que não esteja encrencado com a Justiça, com a polícia ou com o MP. Uma oportunidade que não pode ser desperdiçada.
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