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Fachada do prédio do Instituto de Ciência Política da UnB, que cancelou curso de professor israelense.
Fachada do prédio do Instituto de Ciência Política da UnB, que cancelou curso de professor israelense.| Foto: Beto Monteiro/Ascom UnB

Não é novidade que, em parte importante do mundo ocidental, as universidades já não são mais o espaço do debate por excelência, do livre intercâmbio de ideias e do debate firme, mas civilizado. Com a conivência de reitores, diretores e chefes de departamentos e institutos, que se omitem vergonhosamente na defesa dos princípios que deveriam reger o ambiente universitário, minorias truculentas se apossaram do direito de decidir quem pode ou não pode falar. O episódio mais recente ocorreu na semana passada, na Universidade de Brasília (UnB), que cancelou um curso devido a ameaças de tumulto por parte de estudantes.

O professor Jorge Gordin deveria oferecer um minicurso de quatro dias sobre “política territorial comparada”, a partir de 11 de setembro, e no dia 20 falaria sobre “O paradoxo da Argentina revisitado”. Ou seja, nada que pudesse ser exatamente classificado como polêmico. No entanto, Gordin é israelense, o que bastou para a militância estudantil de esquerda considerar intolerável a sua presença no ambiente universitário. Os estudantes ainda afirmaram ter encontrado nos perfis do especialista publicações de “propaganda militar das Forças de Defesa de Israel” – datadas de 2017 a 2020, sem relação alguma com a campanha atual de Israel contra os terroristas do Hamas em Gaza. Primeiro, os militantes pediram ao Instituto de Ciência Política (Ipol) que cancelasse o curso; depois, convocaram os estudantes para aparecer na aula do dia 11 com adereços e bandeiras em defesa da Palestina, em demonstração evidente de sua intenção de inviabilizar as aulas por meio da baderna.

Os truculentos venceram; perdeu o professor Jorge Gordin, privado do seu direito de ministrar um curso devido à sua nacionalidade, e perderam os alunos da UnB que tinham interesse em ouvir o que o especialista tinha a dizer

Só então o Ipol cancelou as aulas, com as justificativas mais hipócritas que poderia ter encontrado: além de afirmar que pretendia “garantir a segurança da comunidade universitária”, disse ainda que “se coloca à disposição de todos (as) os (as) interessados (as) para promover debates, sempre com respeito à liberdade de cátedra”. Que tenha dito algo assim no momento seguinte ao do cancelamento de um curso, em desrespeito total à liberdade de cátedra, é típico da atual safra de diretores acadêmicos pusilânimes. Uma instituição realmente comprometida com as liberdades democráticas teria mantido o curso e tomado as devidas precauções para impedir que ele fosse alvo de tumulto; em vez disso, cedeu às ameaças dos intolerantes. Os truculentos venceram; perdeu o professor, privado do seu direito de ministrar um curso devido à sua nacionalidade, e perderam os alunos da UnB que tinham interesse genuíno em ouvir o que Gordin tinha a dizer.

Embora o sequestro do ambiente acadêmico pelo antissemitismo esteja mais exacerbado nos Estados Unidos, a tendência mais ampla de ataque à liberdade de expressão e à livre circulação de ideias na universidade e no ambiente cultural já tem histórico no Brasil. Em um único evento literário na Bahia, em 2013, militantes de esquerda tumultuaram uma mesa-redonda com o sociólogo Demétrio Magnoli e conseguiram cancelar a participação do filósofo Luiz Felipe Pondé. Em 2017, cineastas tentaram inviabilizar um festival de cinema em Pernambuco ao retirar seus trabalhos da mostra, apenas porque o documentário O Jardim das Aflições, sobre o filósofo Olavo de Carvalho e a ficção Real – O plano por trás da história, romantização da criação do Plano Real, em 1994, também tinham sido escolhidos para a mostra. Meses depois, a exibição de O Jardim das Aflições na Universidade Federal de Pernambuco terminaria em pancadaria promovida por militantes de esquerda. Em 2019, foi a vez de militantes de direita tentarem interromper uma palestra do jornalista Glenn Greenwald em Paraty, e conseguirem cancelar a presença da jornalista Míriam Leitão e seu marido, o sociólogo Sérgio Abranches, em uma feira do livro em Santa Catarina.

A “liberdade para as ideias que odiamos”, na feliz formulação do juiz da Suprema Corte americana Oliver Wendell Holmes Jr., já ficou para trás há muito tempo na universidade, pois no caso de Gordin já nem se trata de suas ideias – embora o episódio todo continuasse a ser igualmente inaceitável se ele tivesse ido à UnB falar do conflito no Oriente Médio –, mas de sua pessoa. Nem importa mais o que alguém pense ou deixe de pensar; basta que pertença a uma das categorias “proibidas” (no caso, “sionista”, o termo com que os antissemitas do momento tentam disfarçar seu antissemitismo) para ter as portas fechadas no ambiente acadêmico. E assim a universidade vai abandonando sua missão de geradora de conhecimento para se transformar em reduto de intolerantes.

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