O termo “economia da cultura” ainda soa estranho às almas e aos ouvidos – mesmo depois de ser repetido como um refrão de ciranda. Não há grande cidade, que se pretenda turística, que não recorra a essa expressão. As chamadas “cidades sexies” ou “cidades espetáculo” – para citar Nestor Garcia Canclini – são a rigor espaços para museus, parques, comércio e, evidente, gastronomia.
Esse cenário não é pacífico. O próprio Canclini lamenta a substituição da cidade imaginária – desenhada pela literatura – pela cidade televisiva, construída pelo noticiário; ou a cidade do consumo, cujo pilar é atender aos desejos imediatos daquele que carrega com sofreguidão uma sacola de compras. Em vez de conhecer Paris pelas linhas de Baudelaire, tendemos a nos contentar com os fôlderes da Galeria Lafayette.
A cultura não é a cereja do bolo – é refeição que provoca fome. E com fome ninguém sossega
Tem-se um impasse. Mas não se pode negar que essa nova ordem das cidades tirou a economia da cultura dos rodapés. Zonas urbanas que por décadas do século 20 achavam que desenvolvimento era sinônimo de reservar lugares para áreas fabris, hoje desejam ter um teatro, de preferência para abrigar um festival anual, frequentado por jovens hipsters. Seus dirigentes sabem que tanto quanto abrigar uma indústria, uma cidade desejável precisa abrigar uma usina criativa. Cruzar com Stuart Hall na rua? Só na Inglaterra.
No virar das panquecas, a cultura ganha terreno. Resta saber se os produtores culturais se deram conta desse grande arrego. Explique-se. O campo da cultura é uma das áreas mais refratárias a gerar dados, teimosia que soa como sirene nos setores do capital, avessos a meter a mão no bolso sem antes fazer contas, em cima de fatos.
Pode-se entender o medo da turma da cultura. Ninguém quer ver a arte reduzida à tecnocracia, ao taylorismo, temendo que a audiência se torne uma régua de qualidade. Seria o fim. Mas há uma questão paralela. É preciso mostrar aos gestores públicos que uma verdade intuída – a de que a cultura pode trazer mudanças profundas no comércio, na sociabilidade, por exemplo – também pode ser medida, de modo a garantir o bom destino dos investimentos.
A educação reviu seus conceitos e hoje mostra, inclusive em tabelas, do que é capaz. Basta comparar os dados de pesquisas – a Retratos da Leitura no Brasil, para citar um – e confirmar que se a escola melhora, a coleta do lixo ou a diminuição da pobreza, também. Não se trata de se adulterar a natureza profunda da cultura, mas de saber se colocar na rede de negociações.
O Projeto Equidade, desenvolvido desde o início deste ano pela Prefeitura de Curitiba, merece um estudo de caso. Para conseguir garantir condições igualitárias para os alunos de 47 escolas que são mais vulneráveis socialmente, os gestores decidiriam, entre outras ações, garantir mais participação dos alunos no circuito cultural. Captar apoios da comunidade para garantir essas práticas é que são elas: na lógica da cidade espetáculo, a cultura ganha o rótulo de entretenimento, lazer e, por tabela, de supérflua. Se mostrasse, em números, que essa reza está torta, quantos milagres.
Há de se dizer que o início dos anos 2000 demarcou uma mudança de mentalidade no setor. Pesquisa de 2004 do Ministério da Cultura mostrou que os brasileiros investem entre 4% e 8% de seus ganhos com arte e afins. E que ricos e pobres gastam a mesma porcentagem. Não importa a classe, tendemos a ser pouco pró ativos, fugindo das linguagens artísticas que exigem de nós esforço e estudo. Ora, esse desmazelo não é um traço imutável. É fragilidade. Deve ser trabalhado.
Foi-se o tempo em que nos faltavam exemplo de como a alta-cultura poderia ser servida como papa-fina para as massas – tal como sonhou Oswald de Andrade. O Museu Oscar Niemeyer é o caso. Sim – nasceu na lógica da “cidade espetáculo”. Atende ao cidadão consumidor. Tem espaço para estacionar, serviços bem estruturados, conforto. De janeiro a outubro, foram 278 mil visitantes. A média é de 30 mil visitantes mês. Diariamente, até mil escolares vão ao MON, em parte atraídos pela segurança que oferece. Pode-se chamar a isso de cultura de massa. Mas também de economia da cultura.
Difícil defender que para toda essa gente a visita seja mero passatempo – o que em si nada tem de pecado. O ócio pode ser um biotônico à inteligência. Importa dizer que nas filas do MON, nos ônibus que chegam dos mais diversos destinos, forma-se um imenso capital humano. Não causa espanto que a turma que cruza a roleta saia dali com uma relação melhor com o mundo, ressignificando-o. Mesmo que regido pelo espetáculo, o consumidor da cultura tende a ir mais longe. Mal não faria quantificar e qualificar essa boa notícia, oferecendo-a como dado a gestores públicos e movimentos sociais. A cultura não é a cereja do bolo – é refeição que provoca fome. E com fome ninguém sossega. Eis o ponto.