| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Se comparada com a proposta original formatada no Palácio do Planalto, a reforma da Previdência que está em análise na Câmara dos Deputados já foi muito retalhada. Alguns dos itens originais muito provavelmente faziam parte de uma “gordura”, cuja atenuação não abalaria nenhum pilar da reforma: seriam aspectos nos quais o governo já previa a possibilidade de recuo, como parte da dinâmica de negociação de apoio entre os parlamentares. Mas outras alterações tiveram, sim, impacto substancial no conteúdo da reforma, a ponto de o ministro Henrique Meirelles, da Fazenda, ter dito, no início de maio, que a proposta “não pode ser fundamentalmente alterada a partir de agora”, pois a economia prevista pela versão modificada equivalia a 75% daquela desenhada pelo governo com a versão inicial.

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No entanto, o governo e a base aliada resolveram acertar uma nova mudança na reforma: a criação de uma regra de transição para que os servidores públicos federais que entraram no funcionalismo antes de 2003 mantenham a integralidade (sua aposentadoria será equivalente ao valor integral de seu último salário) e a paridade (o benefício será reajustado nos mesmos patamares dos servidores em atividade). No parecer do relator, deputado Arthur Maia (PPS-BA), que tinha sido aprovado na comissão especial, para terem direito à integralidade e à paridade, esses servidores precisariam se aposentar aos 65 anos (no caso dos homens) ou 62 anos (para as mulheres). Agora, eles poderão se aposentar a partir dos 60 anos e manter esses dois direitos, pagando um “pedágio” de 50% sobre o tempo de contribuição que falta para a aposentadoria.

Quem está na iniciativa privada não pode nem sonhar com integralidade ou paridade

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A nova regra aproxima bastante esses servidores públicos dos trabalhadores da iniciativa privada, que também terão o seu “pedágio” – no caso, de 30% do tempo restante de contribuição para a aposentadoria nos moldes atuais, para aqueles que tiverem 30 anos de idade ou mais quando a reforma for promulgada. Mas quem está na iniciativa privada não pode nem sonhar com integralidade ou paridade, estando limitado ao teto do INSS, que hoje é de cerca de R$ 5,5 mil. Em outras palavras: as exigências são semelhantes, mas as diferenças nos benefícios continuam a ser gritantes.

Leia também:O protesto e a Previdência (editorial de 11 de março de 2017)

Leia também:  Duas narrativas sobre a Previdência (artigo de Demétrio Magnoli, publicado em 4 de maio de 2017)

E aqui reside o grande problema nas concessões que vêm sendo feitas na reforma da Previdência: elas beneficiam quase que exclusivamente grupos minoritários que já têm condições muito mais vantajosas que o grosso da população. Como esses grupos são altamente articulados – e, em alguns casos, não hesitam em recorrer à violência, como fizeram os policiais dois meses atrás –, conseguem ser ouvidos. Já a grande massa de trabalhadores, essa não tem quem a defenda, ou pelo menos não com tanta ênfase.

E este é um risco grave para a própria reforma, como apontamos dias atrás: as concessões crescentes a grupos mais organizados (como é o caso dos servidores) e que manterão, na reforma, condições muito vantajosas aumentam a sensação de injustiça na reforma da Previdência, que cobrará caro da maioria enquanto uns poucos mantêm seus privilégios. Ainda que o impacto fiscal da nova concessão não seja grande a ponto de alarmar a Fazenda, ela tem um custo moral: o de afastar quem entende a necessidade de mudar a Previdência, mas sabe que o sacrifício precisa ser feito de forma equânime entre todos os brasileiros.

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