Pelo segundo mês consecutivo, o IPCA, índice oficial de inflação, ficou no campo negativo, indicando recuo nos preços. A deflação de agosto foi de 0,36%, contra retração de 0,68% em julho. E, pela primeira vez desde setembro de 2021, o acumulado de 12 meses voltou à casa de um dígito, estando agora em 8,73%. O índice continua muito acima dos 5% que constituem o limite máximo de tolerância da meta oficial de inflação, que é de 3,5%, mas ainda assim indica que provavelmente o pior momento da pressão inflacionária já ficou para trás, enquanto boa parte do mundo continua às voltas com preços em alta – especialmente na Europa, onde a falta de alternativas ao gás russo está elevando o custo da energia no exato momento em que o inverno se aproxima.
Esta nova deflação continua se devendo principalmente aos recuos nos preços de combustíveis e energia. Há um “rescaldo” da diminuição nas alíquotas de ICMS que começou a vigorar no fim de junho, mas especificamente no caso dos combustíveis houve novas reduções de preços nas refinarias, por decisão da Petrobras, em linha com a política de preços que acompanha as flutuações do mercado internacional. A gasolina, que havia recuado 15,48% em julho, caiu mais 11,64% em agosto; o etanol baixou 8,67%; e o diesel, 3,76%. Por mais que se argumente que a diminuição nos preços praticados pelos postos beneficia especialmente as classes média e alta, que têm carro, não há como negar que combustível mais barato, especialmente o diesel, também ajuda a reduzir custos como o frete rodoviário, o que por sua vez tem efeito em diversos outros preços, ainda que não tão evidente.
Com esta segunda deflação seguida e a perspectiva de um novo recuo do IPCA em setembro, a porta para a manutenção da Selic no atual patamar fica mais aberta
Outro grupo cuja variação nos preços precisa ser acompanhada muito de perto é o de Alimentação e Bebidas, que havia registrado alta de 1,30% em julho; desta vez, o aumento desacelerou para 0,24%, mas o acumulado do ano ainda preocupa, pois está em 13,43%. Um produto que ganhou muito destaque no índice de julho, o leite longa vida, teve queda de 1,78% em agosto, depois de ter subido 25,46% no mês anterior. Como o fim da entressafra está próximo, a oferta de leite deve voltar a subir, embora seja difícil prever se os preços do produto e seus derivados voltarão aos patamares anteriores à disparada recente.
O grande desafio, no momento, é tornar a queda de preços – ou, ao menos, sua estabilidade – mais abrangente. O índice de difusão (a porcentagem de itens medidos pelo IBGE que tiveram aumento nos preços) se manteve estável, passando de 63% em julho para 65% em agosto. Ou seja, há deflação hoje porque houve quedas expressivas em alguns poucos itens que têm muito peso no cálculo, não porque a maioria dos produtos e serviços está ficando ligeiramente mais barata. Se por um lado há produtos, especialmente os da agropecuária, cuja oscilação é natural devido à sazonalidade, por outro lado ainda há uma série de eventos extraordinários que estão desorganizando os preços, como a insistência chinesa em lockdowns que paralisam cadeias produtivas (um dos mais recentes atingiu o importante polo tecnológico de Shenzhen) e os efeitos do ataque russo à Ucrânia. Ao lado destes dois choques de oferta, é preciso monitorar internamente os efeitos do novo Auxílio Brasil de R$ 600 sobre a demanda.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou na última segunda-feira, dia 5 (antes, portanto, da divulgação do IPCA de agosto), que ainda não há previsão de corte nos juros, pois a luta contra a inflação está longe de ser vencida. E ele tem razão: nem os atuais 8,73% no acumulado de 12 meses, nem os 6,61% previstos para 2022 no mais recente boletim Focus são índices que deixam o brasileiro confortável – e o fato de outros países estarem registrando inflações maiores que a nossa não serve de consolo no momento em que alguém vai ao mercado e percebe a queda no seu poder de compra. Mas, com esta segunda deflação seguida e a perspectiva de um novo recuo do IPCA em setembro, a porta para a manutenção da Selic no atual patamar, em vez de um novo aumento na reunião marcada para os dias 20 e 21, fica mais aberta. Seria um alívio bem-vindo para o setor produtivo.