A entrevista coletiva do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no começo da noite de segunda-feira foi quase um anticlímax na comparação com o dia 18 de maio deste ano, quando o Brasil tomou conhecimento das gravações feitas por Joesley Batista, um dos donos do frigorífico JBS, que registrou a conversa nada republicana que teve com o presidente Michel Temer, no Palácio do Jaburu. Mas, em 4 de setembro, o procurador-geral, prestes a deixar o cargo, teve de vir a público afirmar que há indícios de crimes no processo de negociação da delação premiada dos executivos da JBS. Tudo graças a um outro áudio de Joesley e do também delator Ricardo Saud que teria sido gravado indevidamente e, de forma incrível, foi entregue pelos próprios delatores à PGR.
Se o primeiro diálogo, parte do material entregue por Joesley em sua delação premiada, serviu de base para a primeira denúncia oferecida por Janot contra Temer, rejeitada pela Câmara dos Deputados, esta nova gravação coloca em risco os enormes benefícios obtidos pelos delatores. Graças ao acordo feito com a PGR, Joesley escapou quase que impune, tendo apenas de pagar uma multa cujo valor, teme-se, tenha sido levantado com operações no mercado financeiro antes da divulgação do áudio de Temer, contando com uma disparada do dólar e queda forte na bolsa de valores. De resto, não haveria denúncia, e aquelas já existentes terminariam com o perdão judicial. Nem mesmo tornozeleira eletrônica o empresário teria de usar, podendo viajar à vontade, inclusive para o exterior.
O modo atabalhoado como Janot lidou com a delação enfraquece qualquer nova denúncia contra Michel Temer
Já em maio a Gazeta do Povo havia defendido que mesmo o fato de a delação entregar indícios de irregularidades praticadas por um presidente da República não justificava o grau de impunidade oferecido pela PGR aos delatores da JBS. Um criminoso confesso, que comprou políticos, procuradores e juízes, a julgar pelas próprias declarações, ganhou benefícios com que nenhum outro delator da Lava Jato, nem mesmo Marcelo Odebrecht, poderia sonhar. Rodrigo Janot pode até continuar convicto de que fez um bom acordo – e a lei das delações premiadas, de fato, permitia que ele oferecesse condições tão generosas –, mas, agora que está evidente a ausência de boa fé por parte dos delatores, ele tem a oportunidade de, no fim de seu mandato à frente da PGR, corrigir este equívoco.
Rever a impunidade oferecida a Joesley, no entanto, não será suficiente para impedir que Janot saia chamuscado do episódio. O acordo de delação premiada não apenas foi negociado apressadamente, como agora há mais informações a respeito da participação de Marcelo Miller, auxiliar de Janot que deixou o serviço público e, sem quarentena, passou imediatamente a trabalhar para o escritório que negociou o acordo de leniência da JBS. Quando o país tomou conhecimento da delação, esse fato já causava inquietação; o novo áudio mostra que Miller estaria fazendo “jogo duplo”, ajudando os delatores antes de se exonerar do Ministério Público Federal.
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Por fim, ainda que uma eventual anulação dos benefícios aos delatores não inutilize quaisquer provas por eles oferecidas, o modo atabalhoado como Janot lidou com a delação enfraquece qualquer nova denúncia que o procurador-geral queira oferecer contra Michel Temer. Com mais munição para contra-atacar, o presidente sai ganhando no balanço de forças com os deputados cujo apoio ele precisaria conquistar para evitar um processo no Supremo Tribunal Federal. Por isso, o novo áudio é discretamente comemorado no Planalto.
Mas outros políticos que já estiveram na mira de Janot também exibem certa Schadenfreude, talvez crendo que o tropeço do procurador-geral acabe desmoralizando o instituto da delação premiada como um todo. Essa preocupação esteve presente na entrevista coletiva da PGR, mas quaisquer notícias sobre o fim da delação premiada seriam manifestamente exageradas; se algo de bom pode sair deste imbróglio, é o reforço da noção de que a delação premiada exige responsabilidade proporcional à sua importância.