A Operação Lava Jato perdeu um de seus principais nomes: o procurador Deltan Dallagnol, até agora coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba, está deixando o cargo, embora permaneça nos quadros da instituição. Dallagnol vinha sofrendo uma perseguição tão implacável quanto injusta da parte de diversas autoridades, ofendidas com o mero exercício da liberdade de expressão do procurador, além de uma campanha midiática para desacreditá-lo, iniciada ainda no ano passado, mas tudo isso ele vinha enfrentando com valentia. O que o levou à decisão de deixar a Lava Jato foi a necessidade de se dedicar com mais cuidado à saúde da filha de quase 2 anos, que está passando por baterias de exames.
Qualquer brasileiro preocupado com o combate à corrupção e com a ética na política só tem a agradecer a Dallagnol por sua dedicação nestes quase seis anos e meio de Lava Jato. As investigações do MPF, da Polícia Federal e da Receita Federal expuseram ao Brasil as entranhas do maior esquema de corrupção da história do país, em que estatais foram sangradas para alimentar o projeto de poder petista, em conluio com outros partidos, em uma rede tão intrincada que até hoje continua a haver fios soltos que, quando puxados, revelam mais irregularidades.
O que a Lava Jato fez, com Dallagnol à frente das investigações, é um marco incontestável, algo inédito na história deste país
Como líder da força-tarefa, Dallagnol demonstrou inteligência, perspicácia, integridade e senso de estratégia, sempre movido pela sincera convicção de que seu trabalho representava um enorme serviço ao país. Na qualidade de “rosto” da força-tarefa, ele também soube mobilizar a opinião pública nos momentos mais sensíveis da operação, seja quando ela atingiu as figuras mais graúdas da República, seja quando o trabalho da Lava Jato correu riscos, direta ou indiretamente. Suas intervenções, ainda que descritas por detratores como personalismo ou autopromoção, sempre tiveram como objetivo reforçar no brasileiro a importância do combate à corrupção, e não uma “propaganda” da Lava Jato.
É preciso deixar muito claro aqui: o que a Lava Jato fez, com Dallagnol à frente das investigações, é um marco incontestável, algo inédito na história deste país. A astúcia dos corruptos, que estenderam seus tentáculos por todo o aparato estatal brasileiro na tentativa de passar incólumes, finalmente encontrou adversários à altura. A força-tarefa teve (e tem) de lidar com um volume monstruoso de informações para montar um quebra-cabeça de milhões de peças. Não teve medo nem de ampliar as investigações sempre que surgiam novos indícios, nem de buscar a punição daqueles que pareciam intocáveis. Usou com maestria todos os instrumentos jurídicos que tinha à disposição, como a colaboração premiada e os acordos de leniência.
Os resultados, tanto em termos de condenações quanto de valores restituídos, falam por si: a Lava Jato tem sido uma aula de combate à corrupção. É possível que, em um trabalho de tamanha envergadura, em uma ou outra situação os responsáveis pela operação tenham se equivocado na interpretação de até onde poderiam ir, adentrando em “zonas cinzentas” da lei para evitar a impunidade; mas este jamais foi um comportamento sistemático, deliberado ou recorrente que justifique a equivocada narrativa de “abusos” e “excessos” da Lava Jato – narrativa esta que, infelizmente, anda na boca de muitos, até mesmo no Judiciário e na cúpula do Ministério Público.
No lugar de Dallagnol, quem assume a coordenadoria da força-tarefa é Alessandro José Fernandes de Oliveira. Ele chega ao posto em um momento crucial da operação, pois o procurador-geral da República, Augusto Aras, tem poucos dias para decidir se prorroga os trabalhos da Lava Jato ou se encerra a força-tarefa. Se Aras tomar a decisão mais benéfica para a manutenção do combate à corrupção no Brasil, não há motivos para temor quanto ao futuro da Lava Jato sem Dallagnol; ainda que ele faça muita falta, permanecem na força-tarefa profissionais valorosos que saberão dar continuidade ao trabalho desenvolvido até agora e honrar o legado do ex-coordenador.
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