Uma disputa que se arrastava havia semanas teve seu desfecho um tanto previsível na tarde desta quinta-feira. O presidente Jair Bolsonaro demitiu o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em um movimento que poderia ter ocorrido dez dias atrás, mas foi adiado porque a ala militar do ministério havia bancado a permanência de Mandetta. No entanto, e apesar do bom trabalho que o ministro vinha desenvolvendo no sentido de fazer com que o Brasil atravessasse este período crítico – por exemplo, investindo na informação à população, reforçando a rede hospitalar e tentando suprir a notória deficiência do país em testes para identificar os contaminados –, as divergências entre presidente e ministro se acentuaram, especialmente em relação a dois temas: o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19; e o tipo de isolamento considerado necessário para conter o coronavírus ao mesmo tempo em que se tenta impedir a explosão no desemprego e na quebra de negócios.
A entrevista de Mandetta ao programa Fantástico, da Rede Globo, veiculada na noite de domingo passado, no entanto, parece ter sido a gota d’água até mesmo para aqueles que tinham aconselhado Bolsonaro a manter o ministro, e que viram nas palavras de Mandetta praticamente um ato de insubordinação, já que ele acabou reafirmando suas divergências com o chefe do Poder Executivo. Uma vez definida a substituição, o presidente da República se referiu a seu agora ex-ministro, durante pronunciamento no Palácio do Planalto, em termos muito mais gentis do que os empregados na desnecessária fritura pública realizada quando Mandetta ainda fazia parte de sua equipe.
Depois de semanas de indiretas, ameaças e fritura, tudo de que o Brasil precisa é que presidente e ministro da Saúde trabalhem em harmonia
O comando da luta contra a pandemia passa, agora, ao oncologista Nelson Teich. O apoio da comunidade médica a seu nome, incluindo a Associação Médica Brasileira (AMB), é uma boa notícia e mantém a linha de nomeações técnicas que marca boa parte do ministério de Bolsonaro. É preciso lembrar que o primeiro nome a despontar como sucessor de Mandetta era o do deputado Osmar Terra (MDB-RS), que chegou ao ponto de, em conversa telefônica vazada, ter se oferecido para ajudar o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, a “cortar a cabeça” de Mandetta, apesar de dizer na sequência que não fazia questão de ser ele o nomeado. Por mais que Terra também seja médico, esta não deixaria de ser uma nomeação política, e bastante controversa após a divulgação do diálogo com Lorenzoni.
Bolsonaro não poderá alegar que não sabe o que Teich pensa a respeito das estratégias contra o coronavírus. O oncologista já publicou vários artigos sobre o tema, inclusive defendendo que, no momento atual, o isolamento social horizontal continua a ser a melhor opção e que há fragilidades na adoção do isolamento vertical. O novo ministro, no entanto, também já havia escrito sobre a necessidade de conciliar o olhar da saúde com a preocupação sobre a economia e os empregos. No pronunciamento feito no Planalto, presidente e ministro mostraram disposição para a convergência. Bolsonaro, por exemplo, falou que o retorno da atividade econômica não deve ser feito “o quanto antes”, mas de uma forma que assegure o controle do surto. Teich, por sua vez, defendeu a continuação das políticas atuais de isolamento, mas acrescentou que, à medida que mais dados forem coletados, será possível definir as diretrizes para as próximas semanas e meses.
Depois de semanas de indiretas, ameaças e fritura, tudo de que o Brasil precisa é que presidente e ministro da Saúde trabalhem em harmonia, atentos aos números da pandemia e da economia, e às experiências bem-sucedidas dentro e fora do país. Toda troca de comando com o avião em voo tem seus problemas, mas Mandetta também se mostrou comprometido com uma transição tranquila. Por mais que as divergências tenham tornado sua permanência no cargo inviável, é momento de reconhecer o que realizou de bom e esperar que seu sucessor tenha um desempenho ainda melhor.
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