Em agosto de 2018, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, foi o único voto vencido em julgamento realizado no Tribunal Superior Eleitoral (do qual também é membro) que barrou definitivamente a candidatura do ex-presidente Lula à Presidência da República. Dois anos depois, Fachin não apenas mantém sua posição original como também afirma que ter permitido que Lula disputasse o Planalto teria “feito bem à democracia” e “fortalecido o império da lei”. A afirmação foi feita em palestra on-line no VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral.
Em janeiro de 2018, a condenação de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá foi confirmada pela 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), o que tornava o petista inelegível pelos critérios da Lei da Ficha Limpa. Mesmo não havendo a menor margem de dúvidas a respeito da impossibilidade de Lula concorrer no pleito presidencial, o PT registrou sua candidatura com estardalhaço. Infelizmente, o TSE não agiu “de ofício”, negando o registro, o que levou ao julgamento em que Fachin foi o único a divergir do relator, Luís Roberto Barroso. Quanto mais tempo Lula permanecesse candidato, mais tempo o PT teria para causar confusão na mente do eleitorado, o que por si só já mostra o pouco apreço que o partido tem pelas instituições e pela própria democracia.
O que fortalece o império da lei é o seu cumprimento. E o que faz bem à democracia é o respeito às leis e às instituições
Portanto, com a devida vênia ao ministro Fachin – que, inclusive, tem sido rigoroso nos casos da Lava Jato dos quais é relator, tendo até mesmo votado contra Lula no célebre julgamento do habeas corpus em abril de 2018 –, é preciso colocar na mesa os dois cenários possíveis naquele momento. Em um deles, a Lei da Ficha Limpa, resultado de um anseio popular e um enorme progresso em um país manchado pela corrupção, é respeitada, com a corte eleitoral mostrando que ela vale para todos, mesmo um ex-presidente da República com popularidade ainda considerável. Em outro, a legislação eleitoral brasileira é atropelada em nome da interferência estrangeira, de um Comitê de Direitos Humanos da ONU que fez uma recomendação sem nenhum caráter impositivo ou vinculante; um corrupto condenado em duas instâncias pela Justiça fica liberado para disputar o cargo máximo do país, com chances nada desprezíveis de vitória, mostrando que vale a pena dilapidar as empresas estatais em nome de um projeto de poder e desprezar leis, tribunais e instituições democráticas brasileiras. Qual dessas duas possibilidades teria efetivamente “feito bem à democracia” e “fortalecido o império da lei”?
É cristalino que o que fortalece o império da lei é o seu cumprimento. E o que faz bem à democracia é o respeito às leis e às instituições. O PT, que depredou essas instituições por meio do aparelhamento e violou as leis com a roubalheira constante durante seus 13 anos e meio no poder, fez pouco do ordenamento jurídico brasileiro quando registrou a candidatura de Lula. Permitir que ela continuasse seria uma desmoralização completa, um escárnio que colocaria por terra qualquer confiança do brasileiro nas leis e na Justiça do país. Aliás, durante o julgamento Fachin reconheceu que Lula permanecia inelegível, embora em sua opinião devesse continuar a ser candidato. Esta solução teria um potencial enorme de causar instabilidade no país, caso houvesse a vitória do corrupto petista e só então ele ficasse impedido de levar o prêmio “conquistado” nas urnas. E confusão e instabilidade são o oposto do império da lei e de uma democracia forte.
“Fazer fortalecer no Estado democrático o império da lei igual para todos é imprescindível”, afirmou Fachin em sua palestra virtual. Pois foi justamente esta decisão que o TSE tomou naquela noite de agosto de 2018: fez valer a Lei da Ficha Limpa para todos. Ali a democracia brasileira saiu fortalecida, não enfraquecida. E este é o rumo que precisa continuar a ser seguido.