O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, deu inequívoca demonstração de preconceito quando disse, na quarta-feira, que a favela é "fábrica de produzir marginal" e que a prática do aborto seria uma forma de reduzir a violência. Suas declarações são de extrema infelicidade.
Antes de mais nada, porque a interrupção da gravidez, expressão eufemística usada por Cabral para se referir ao aborto, é a violência manifestada em uma de suas formas mais graves, uma vez que a vítima não tem qualquer oportunidade de defesa.
Os pobres não podem ser responsabilizados pela violência e pela crescente criminalidade, nem no Rio de Janeiro nem em qualquer outra parte do mundo, pois o crime está entranhado em todas as classes sociais. Associar automaticamente a favela à violência, além de ser um insulto aos milhões de brasileiros pobres que continuam tentando se manter de forma honesta, mostra que o governador desconhece o óbvio: a adesão à bandidagem não é questão de renda, e sim de um caráter deformado pelo hedonismo e pela falência de valores em um cenário de desiguldade social. O traficante que disparou contra helicópteros da polícia diante das câmeras de televisão, os jovens que espancaram empregadas domésticas como ocorreu em junho, no Rio de Janeiro , a filha do casal Richthofen que planejou o assassinato dos pais, e os políticos corruptos não têm em comum a classe social, e sim o desprezo pelas leis e pela vida alheia, seja a de uma pessoa que espera um ônibus de madrugada, seja a de milhões de brasileiros que têm desviado o dinheiro de seus impostos.
Culpar a condição social pela criminalidade é, além de tudo, uma forma de eximir o Estado da responsabilidade que tem na promoção de políticas públicas capazes de educar para a civilidade e de conter a violência.
A sugestão de Cabral não passa de eugenia social ainda mais perversa que a eugenia biológica, embora ambas sejam injustificáveis; enquanto na eugenia biológica é certo que determinada criança terá uma doença genética que a tornaria, aos olhos dos eugenistas, indigna de viver, na eugenia social de Sérgio Cabral a criança pobre deve ser eliminada pela simples possibilidade de vir a ser um bandido no futuro. No entanto, assim como em nenhum sistema jurídico decente se condena à morte um réu sem certeza absoluta de sua culpabilidade, uma sociedade dotada de bom senso não deveria eliminar inocentes indefesos só porque podem, um dia, cometer um crime.
Depois da grande repercussão de suas palavras, Sérgio Cabral resolveu alegar que foi mal-compreendido. Ficou óbvio que a tentativa de desmentido foi uma resposta tardia à reação negativa que sua afirmação preconceituosa despertou na população. Essa reação só vem reforçar os dados publicados recentemente pelo Datafolha que atestam a rejeição da maioria da população brasileira ao aborto. Considerando a campanha contra a vida levada adiante pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, e pelo PT, que reafirmou a defesa do aborto recentemente em seu terceiro congresso ocasião em que uma ex-deputada chegou a ser hostilizada por se pronunciar a favor da vida , percebe-se como os governantes estão distantes dos verdadeiros anseios dos brasileiros.
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