Perpetrado o atropelamento do mais elementar dos direitos humanos – o direito à vida –, o Iraque não pode esperar nem mesmo um dividendo político da execução do ditador que governou o país com mão-de-ferro de 1979 a 2003, quando foi removido do poder pela invasão militar norte-americana.

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Os sunitas choram a perda definitiva de seu líder, enquanto os xiitas festejam o castigo de seu opressor. As reações são apenas mais uma mostra da fragmentação iraquiana, agravada pela ausência de um plano de contenção pós-guerra, que deveria ter sido elaborado pelos Estados Unidos.

Temendo a reescalada dos conflitos entre as duas ramificações do Islã, o governo iraquiano faz apelos pela unidade. Até mesmo Saddam, admirador confesso de Stalin, que sempre lançou mão da tática de dividir para reinar, dedicou suas últimas palavras ao pedido de união nacional.

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A morte do ex-ditador, no entanto, não põe fim a qualquer dos atuais conflitos que estão na origem da violência cotidiana no Iraque. Os curdos do norte do país continuam oprimidos, sem voz no governo e longe de ver realizado o sonho de ter sua própria pátria. A descontente minoria sunita também não dará trégua ao governo de maioria xiita que agora comanda o país segundo a vontade de Washington.

A lição deixada pelo enforcamento é de que vale, no Iraque, a lei de talião: olho por olho, dente por dente. A vingança já reinante é alimentada por um ato patrocinado pelo Estado com rituais, ironicamente, planejados pelo próprio réu.

Carros e homens-bomba seguirão cobrindo o país de sangue. A lógica ocidental de levar a democracia à força, sem compreender as divisões étnicas e culturais do Iraque, não passará a funcionar apenas porque um dos muitos opressores do Oriente Médio já não vive mais.

Morto, Saddam Hussein dará ainda mais trabalho aos Estados Unidos. É, agora, um mártir da invasão. Um ícone da justiça feita às pressas, do desrespeito à vontade de cada nação e da lamentável aceitação da morte patrocinada pelo Estado.

O governo de George W. Bush fez tudo para parecer neutro nas horas finais de Saddam, afirmando que a decisão foi tomada pelo governo do Iraque. Não foi. Saddam morreu unicamente pela vontade dos Estados Unidos, que, contrariando o respeito à vida, tão caro às leis ocidentais, aceita a prática da pena de morte em partes de seu território.

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Dando de ombros para o fato, e até mesmo ignorando a ausência de ganho político da ação, Bush lançou mão de seu mais repetitivo bordão para dizer que a execução do ex-presidente iraquiano Saddam Hussein é "um marco no caminho do país à democracia".

Mas até mesmo o obtuso presidente norte-americano reconhece o óbvio: "Fazer justiça no caso de Saddam não vai encerrar a violência no Iraque".