Num momento em que o cenário nacional está tomado por escândalos de corrupção, o Supremo Tribunal Federal (STF) torna-se o portador de uma boa notícia. A corte, por maioria de sete votos a quatro, decidiu na quarta-feira, dia 17, reverter entendimento que adotava desde 2009 e passou a autorizar a detenção de réus que forem condenados em segunda instância (correspondente aos Tribunais de Justiça, no Judiciário estadual, e aos Tribunais Regionais Federais, no Judiciário federal). É um grande avanço para um país que se acostumou a conviver com a impunidade.
No entendimento anterior, proferido no julgamento do Habeas Corpus (HC) 84.078, o STF havia condicionado a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação. Isso levava a uma situação bastante estranha. O réu tinha seu caso julgado por dois graus de jurisdição – na primeira instância, por um juiz; na segunda, por um colegiado de magistrados –, em que os elementos de prova eram examinados e reexaminados. Mas, se condenado, mesmo assim permanecia em liberdade, até que recursos aos tribunais superiores fossem analisados e a sentença transitasse em julgado. Vale lembrar, entretanto, que recursos ao STF e ao STJ não podem discutir matéria de prova, pois, na área criminal, esses tribunais fazem respectivamente o controle constitucional e legal das decisões.
O abuso do direito de defesa e os recursos protelatórios têm produzido consequências nefastas ao país
Como a análise dos fatos e provas, feita nas instâncias ordinárias, é suficiente para fixar a responsabilidade criminal do acusado, faz todo o sentido que o condenado comece a cumprir a pena. Aliás, o ministro relator, Teori Zavascki, muito bem lembrou de manifestação anterior feita pela ex-colega Ellen Gracie, que, em julgamento de outro HC sobre o tema, afirmou que “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte”.
Ao mudar esse entendimento o STF concilia os diversos princípios constitucionais em jogo – a presunção de inocência, a duração razoável do processo, a efetividade da Justiça – de forma adequada. O precedente anterior tratava a presunção de inocência praticamente como um direito absoluto. Mas nenhum direito fundamental é absoluto e deve ser modulado à luz do conjunto da Constituição Federal.
A decisão do STF restabelece o bom senso e demonstra um respeito à própria Justiça – especialmente aos magistrados dos TJs e TRFs, cujo trabalho, por sua enorme relevância, jamais deveria ser algo sempre dependente da chancela de uns poucos ministros em Brasília. De um lado, assegura precisão e segurança ao manter o duplo grau de jurisdição. De outro, garante a duração razoável do processo, tornando a justiça efetiva e permitindo que o Judiciário desempenhe verdadeiramente seu papel.
O abuso do direito de defesa e os recursos protelatórios têm produzido consequências nefastas ao país. A lentidão no julgamento e a prescrição da pretensão punitiva do Estado criou uma cultura em que, apesar de criminosos serem condenados, perpetua-se a impunidade. O entendimento que estava consolidado desde 2009 certamente contribuiu para ampliar percepções estereotipadas como que a aceita como verdade que “o crime compensa” porque “a Justiça é ineficaz”. O novo precedente, que deve pautar quaisquer novas decisões do Poder Judiciário – o que inclui os processos da Lava Jato –, fortalece uma cultura de respeito à lei e punição dos graves desvios de conduta. Agiu bem o STF em modificar seu posicionamento que tende a, no longo prazo, engrandecer as instituições e transformar a cultura nacional.
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