O ano de 2023 pode ser considerado o primeiro ano cheio em que o mundo operou livre do fantasma do coronavírus e das consequências imediatas da trágica pandemia que maculou os anos de 2020, 2021 e início de 2022. Uma das marcas dessa pandemia é que ela pegou o mundo inteiro durante o mesmo período, o que levou praticamente todos os países a adotarem, em maior ou menor grau, medidas para o enfrentamento do mal. Isolamento social, uso obrigatório de máscaras, proibição de aglomerações, manter fechadas empresas e instituições de qualquer natureza, demissão de empregados em elevadas proporções, redução de salários e trabalho em casa (home office) estão no rol de medidas que quase todos os países adotaram.
Além de desorganizar o funcionamento do sistema produtivo e criar um verdadeiro caos, sobretudo por ter sido um conjunto de medidas impostas repentinamente e sem planejamento, os meses de duração desse quadro caótico criaram necessidades e graves carências em grau diferente segundo cada ramo de trabalho. Por exemplo, os profissionais das áreas de serviços pessoais que não têm como ser prestados remotamente – caso de médicos em muitas especialidades, dentistas, cabeleireiros, fisioterapeutas e outros – estiveram entre os que perderam praticamente 100% de sua renda durante o isolamento social obrigatório.
O quadro geral da realidade levou os governos mundiais a medidas de socorro, como concessão de ajuda governamental em dinheiro, prorrogação de parcelas vincendas de financiamento, postergação do pagamento de impostos e reescalonamento de débitos diversos, fazendo que os déficits públicos aumentassem e, por consequência, elevasse o endividamento governamental.
O motor do desenvolvimento e da recuperação pós-pandemia é o setor privado, não o governo, posto que o governo somente dá à sociedade aquilo que dela retirou antes
Os bancos centrais relaxaram suas exigências e entraram no pacote de concessão de facilidades, prorrogações e benefícios, mesmo com o risco de haver robusta expansão monetária que, quando o caos terminasse, pudesse gerar inflação, efeito esse que já se podia prever em face da redução da produção, diminuição dos estoques e desarticulação de muitas empresas que tiveram dificuldade em retornar à normalidade produtiva quando a vida começou a voltar ao normal.
Iniciando o ano de 2024, com a pandemia debelada, os países seguem no esforço de retomar a atividade normal e buscar o crescimento econômico que, de resto, é desejo e necessidade de todas as nações, principalmente para elevar o nível de emprego e renda, e diminuir o socorro governamental à medida que os desempregados passem a trabalhar e receber salários. Com relação aos gastos do governo e do Banco Central para socorrer pessoas e empresas que paralisaram suas atividades em face do isolamento social obrigatório por lei, em larga escala repetiu-se a linha das decisões executadas na crise financeira mundial de 2008 e anos seguintes, consistente numa rede de medidas para apoiar setores e segmentos produtivos com grande participação no Produto Interno Bruto (PIB) e, por decorrência, na geração de empregos.
No esquema dessa grande teia que é a economia nacional, merece destaque que, estando o Brasil no esforço para voltar às atividades pós-pandemia, o presidente Lula decidiu vetar o projeto de lei que prorrogava por quatro anos a desoneração da folha salarial para os 17 setores da economia que mais empregam no país (incluindo o de comunicação, que engloba esta Gazeta do Povo). Após o veto integral do texto pelo presidente da República, o Congresso Nacional derrubou os vetos, culminando com a promulgação da Lei 14.784/2023, imediatamente derrubada por uma medida provisória que prevê um reoneramento escalonado da folha para todos os 17 setores.
Independentemente dos méritos da lei aprovada no Congresso, o fato é que a desoneração dos encargos tributários sobre a folha de salários, permitindo que as empresas beneficiadas passassem a recolher tributos sobre o faturamento em vez de sobre a folha de pagamento, foi aprovada para incentivar o crescimento econômico e, no mínimo, impedir queda de produção e demissões em massa, já que os setores beneficiados empregam mais de 6 milhões de trabalhadores. Todos os governos são vítimas ou beneficiários das circunstâncias e, em grande parte, as medidas que tomam decorrem dos acontecimentos. O governo Bolsonaro, com seus defeitos e virtudes, passou metade de seus quatro anos com o país imerso na pandemia, a mais grave crise mundial das últimas décadas, justificando assim certas medidas emergenciais.
O maior desafio do Brasil é crescer e gerar produto, emprego e renda, e isso exige uma série de condições, entre elas a urgente elevação dos investimentos em energia, portos, transportes, aeroportos, ciência, pesquisa, tecnologia, e estímulo ao empreendedorismo. Vencer esse desafio exige que o país trabalhe duro e rápido para melhorar o ambiente jurídico e dar um choque de liberdade para a criação de empresas e negócios. Nada é mais ilógico e prejudicial do que o Estado e o governo tornarem-se fontes de incertezas, insegurança e obstáculo a iniciativas destinadas a investimentos empresariais e projetos de negócios.
O motor do desenvolvimento e da recuperação pós-pandemia é o setor privado, não o governo, posto que, nunca é demais repetir, o governo somente dá à sociedade aquilo que dela retirou antes. Desse ponto de vista, o crescimento dos serviços públicos e das obras a cargo do governo também depende de um crescimento geral da economia que possibilite o aumento da arrecadação tributária sem o aumento da carga de impostos. É possível dizer que as medidas referidas são do conhecimento geral e, de certa forma, um tanto óbvias. Porém, se há algo em que o Brasil se especializou, é justamente não fazer o óbvio e tentar políticas mirabolantes que, na economia, sempre dão errado.
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