A reforma tributária ficou para este ano (ou para anos seguintes, nunca se sabe). Em 2008, a determinação – real ou encenada – do governo federal em levá-la adiante esbarrou em conflitos de interesses já bastante conhecidos, conflitos esses que emperraram o andamento da PEC 233 na Câmara. E há o risco de que o mesmo ocorra em 2009.

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A maior dificuldade a ser equacionada consiste na formulação de uma agenda comum: todos – ou quase todos – concordam com a necessidade de o sistema tributário ser aperfeiçoado, mas só nisso. No mais, cada parte busca coisa diversa com a reforma. A União quer racionalizar a tributação, mas manter a carga tributária, os estados e municípios, reparti-la, os contribuintes, reduzi-la. Os estados estão divididos em relação ao regime de incidência do ICMS (na origem ou no destino) e ao fim da guerra fiscal, temas conexos, e aí reside o principal obstáculo a ser superado. Daí o desafio de se encontrar um mínimo denominador comum que possibilite o avanço.

Nos últimos anos, assistimos ao caos do sistema tributário, cujas fundações remontam a 1965 (com a Emenda nº 18 à Constituição de 1946). Sua entropia foi alimentada pela volúpia gastadora do Estado, pelas pressões fiscais geradas pela própria Constituição de 1988, pela multiplicação de contribuições sociais e econômicas, pelo conflito federativo em torno da distribuição de receitas tributárias, pela outorga desenfreada de benefícios e isenções (guerra fiscal), pelo incessante surgimento de obrigações acessórias a cargo dos contribuintes.

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A meta da reforma: um sistema de tributação mais generalizado, racional, eficiente e ao mesmo tempo mais justo. Que todos paguem, de acordo com sua capacidade econômica, mas que paguem menos. Que a arrecadação seja mais eficaz, fechando as portas para os sonegadores e para os interesses especiais – sempre muito bem representados nas casas legislativas. Não será fácil, evidentemente, conciliar alguns desses imperativos. Apenas para dar um exemplo das dificuldades a serem vencidas: os tributos mais injustos costumam ser os mais produtivos, quer dizer, os com melhor relação custo-benefício para o Fisco.

Algumas balizas para a reforma: gradualismo na introdução das mudanças, com previsão de prazos "migratórios"; inclusão das contribuições sociais e econômicas no mecanismo de transferências constitucionais de receitas da União para estados e municípios; substituição da tributação do ICMS na origem pela tributação no destino, que levará à morte natural da guerra fiscal entre os estados; uniformização nacional do ICMS; mudança da matriz tributária, com redução do peso dos tributos indiretos e ampliação da tributação sobre a renda e patrimônio.

Quanto à carga tributária, que deve ter ficado em torno de 35,26% do PIB em 2008 (segundo projeções, com base em dados divulgados pela Receita Federal, do economista especializado em finanças públicas Amir Khair), é preciso ter clareza que o modelo de bem-estar social plasmado na Constituição de 1988 dificilmente possibilitará sua redução significativa. E tampouco seria desejável – dadas as grandes desigualdades sociais que envenenam a sociedade brasileira – afastar esse modelo. O que é preciso, sim, é uma mudança qualitativa do gasto público, com substituição de desperdícios por investimentos, que devolvam à sociedade, sob a forma de desenvolvimento econômico, aquilo que dela é retirado sob a forma de tributos. Além disso, há que melhorar a composição da carga tributária, hoje tremendamente concentrada em tributos que incidem sobre o consumo e os salários. Cabe igualmente reduzir o custo de conformidade, representado pela gama de obrigações acessórias a cargo dos contribuintes, tais como preenchimento de declarações, formulários, relatórios etc, tornando o Brasil o campeão mundial em horas dedicadas ao atendimento de exigências fiscais, segundo relatório divulgado pelo Banco Mundial.

Convém ainda notar que a reforma tributária não se limita a alterações no texto constitucional. Muito já se fez e há ainda muito a fazer no âmbito da legislação ordinária. Tivemos, por exemplo, a introdução do Supersimples em 2007 e sua melhoria no apagar das luzes de 2008, com a edição da Lei Complementar nº 128. Tivemos também a expansão da progressividade do Imposto de Renda das pessoas físicas, pela Medida Provisória 451, com a criação das alíquotas intermediárias de 7,5% e 22,5%. E, entre outras tantas medidas benéficas aos contribuintes, não depende de nenhuma emenda constitucional, substituir, parcialmente, a contribuição sobre a folha de salários por uma contribuição sobre o faturamento, o que viria a propiciar um incremento no emprego formal, ou seja, os de carteira assinada.

Paradoxalmente, o principal interessado em tudo isso – o contribuinte – é o grande ausente na discussão do tema. Afora algumas iniciativas isoladas, a sociedade civil (des)organizada não tem se manifestado e, muito menos, feito pressão pela reforma. Em razão disso, há uma boa chance do resultado final se limitar a uma grande barganha entre União, estados e municípios.

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