O papel legislativo dos tribunais superiores terá de ser novamente exercido ao longo deste ano para tratar de matérias sobre as quais surgiram, no arcabouço legal existente, interpretações contraditórias

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Talvez país algum do mundo tenha tantas leis quanto o Brasil. No imaginário popular, a simples edição de leis seria suficiente para regular completamente as relações sociais em todos os campos – entendimento simplista seguido à risca pelos executivos e parlamentos brasileiros de todos os níveis, dos municipais aos nacionais. A fúria legiferante é tal que, ao contrário da pretensão de ordenar a vida das pessoas e o funcionamento das instituições, o que se vê é uma barafunda de normas legais a gerar insegurança jurídica, um dos piores vírus que costumam atacar o Estado de Direito.

Até 2003, o país contava vigentes com nada menos do que 10.204 leis ordinárias, 11.680 decretos-leis, 5.840 decretos do Poder Legislativo, afora 105 leis complementares, as 13 leis delegadas e os 322 decretos remanescentes do governo militar, somando nada menos de 28 mil normas jurídicas a submeter os cidadãos.

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Esta é uma das razões pelas quais o Judiciário brasileiro, em todas as suas esferas e instâncias, está atulhado de centenas de milhares de processos. Além de explicar a histórica morosidade dos tribunais, a intrincada teia legislativa e processual a que todos estamos sujeitos leva-os a proferir decisões discrepantes sobre temas e situações idênticas, dando margem à sucessão quase interminável de recursos e procrastinações. E, por fim, diante de tanta confusão, os tribunais superiores acabam sendo chamados a dirimir conflitos de entendimento, tarefa que muitas vezes os fazem a também exercer papel legislativo, em vez de simplesmente julgar as causas.

Assim se deu, por exemplo, no caso da Súmula 13 do Supremo Tribunal Federal (STF). Viu-se a Corte obrigada a editá-la, dando-lhe força de lei, na tentativa de pôr fim à polêmica questão do nepotismo no serviço público, pois embora a Constituição, por meio de princípios genéricos, já o proibisse, tal prática era ilimitadamente corrente. Pois esse papel legislativo dos tribunais superiores terá de ser novamente exercido ao longo deste ano em outras matérias, igualmente polêmicas, porque o arcabouço legal existente, que teoricamente deveria regulá-las, encontra-se poluído por contraditórias interpretações. Ou por lacunas insanáveis.

Assim, só no âmbito do STF, conforme levantou reportagem que publicamos na última sexta-feira, terão de ser resolvidas questões de grande impacto em várias áreas. Uma das situações diz respeito à suposta bitributação ICMS/Cofins, que enormes prejuízos fiscais tem dado às empresas. Outro caso à espera de decisão definitiva refere-se à competência do Ministério Público para realizar investigações em inquéritos criminais. E há três outros que mexem com as tradições e com a sensibilidade da sociedade brasileira – a do direito de abortar fetos anencéfalos; a de legitimar as uniões homossexuais; e a de regular as cotas raciais para acesso ao ensino superior.

Como se vê, não bastam leis e nem necessariamente novas precisam ser editadas. Mais do que isso, a sociedade precisa saber como aplicá-las – missão relevante que agrega cada vez mais importância ao papel judicante das nossas cortes.