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editorial

Desculpas esfarrapadas

O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, apresentou ao Tribunal de Contas da União as linhas finais da defesa da presidente Dilma Rousseff contra as acusações de que teria cometido ilegalidades na gestão das contas públicas em 2014, último ano de seu primeiro mandato. O governo gastou o que não podia e lançou mão de empréstimos mascarados junto a instituições financeiras estatais para cobrir os rombos que criou – “pedaladas” que o TCU ameaça punir com a desaprovação das contas do governo, o que, como consequência, abriria as portas para um processo de impeachment.

Já há muito tempo analistas diagnosticavam os primeiros sintomas que levariam à crítica situação atual

Claro, o governo tem todo o direito de se defender, mas beiram a zombaria os argumentos que apresenta. Na última peça de contestação encaminhada ao TCU, Adams chega a admitir que, de fato, o governo teve de lançar mão de “jeitinhos” heterodoxos para fechar as contas diante do cenário de crise, mas reputou o desequilíbrio orçamentário e o desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal à imprevisibilidade dos fatores que causaram a crise. “A realidade econômica evoluiu de maneira imprevisível para todos os analistas”, disse Adams, para em seguida perguntar: “Quem projetava um impacto de redução de commodities, aumento do dólar, de mudança do quadro econômico do jeito que aconteceu no final de 2014?” Feita a pergunta, explicou: “Foi esta realidade que gerou a necessidade de mudança de meta que foi acatada pelo Congresso e em 31 de dezembro o governo atendeu à lei”.

Nada mais falso e insustentável. Já há muito tempo, analistas brasileiros e estrangeiros diagnosticavam os primeiros sintomas que levariam à crítica situação econômica pela qual o país passa atualmente. Pelo menos desde 2011, o governo começou a abandonar o tripé macroeconômico implementado ao tempo do governo Fernando Henrique Cardoso e que garantiu a estabilidade monetária e criou condições para o desenvolvimento. Durante boa parte do governo Lula, ainda comprometido com a fase “paz e amor” que o fez ganhar a presidência em 2002, o tripé, embora cambaleante, foi preservado. Mas, com Dilma dando sequência a um movimento iniciado no fim do segundo mandato de Lula, o tripé começou a desmoronar: gastos maiores e um pouco de inflação não fariam mal a ninguém. Pelo contrário, se a gastança fosse exacerbada durante o período pré-eleitoral, até poderia ajudá-la a seguir no Planalto até 2018.

Era o desastre anunciado e claramente delineado pelo mercado – prova disso eram as estimativas recolhidas semanalmente pelo Banco Central entre os principais players econômicos e reunidas no boletim Focus: em abril de 2014, por exemplo, já se previa que o IPCA do ano passado estaria no teto da meta do BC. Bolas semelhantes foram cantadas ao longo de 2014 pelos analistas do banco Santander, na famosa carta aos correntistas que prenunciava a continuidade do processo de desmanche dos fundamentos econômicos, alta dos juros, desvalorização do real e queda da bolsa com o sucesso de Dilma; pela consultoria Empiricus, que lançou a tese do “fim do Brasil”; e pelos candidatos da oposição Aécio Neves e Marina Silva.

Os avisos foram todos ignorados. No caso do Santander, Lula pediu publicamente a cabeça dos responsáveis pela carta, e foi atendido (a Justiça do Trabalho, em primeira instância, acabou de condenar o banco a pagar indenização de centenas de milhares de reais a Sinara Polycarpo, uma das demitidas); a coligação de Dilma Rousseff foi ao TSE contra a Empiricus (e perdeu). E seus adversários no pleito de 2014 foram chamados de “pessimistas”, na versão mais benigna, e “terroristas”, na mais aguda.

Tudo isso mostra que a previsibilidade dos acontecimentos era evidente – menos para o advogado-geral da União, para quem o governo foi apenas vítima de surpresas sobre as quais não detinha nenhum controle, a não ser conseguir que o Congresso mudasse para baixo a meta de superávit primário depois de o Orçamento de 2014 já ter sido executado, com a exclusiva finalidade de dar aparência legal ao descumprimento da meta.

Não bastasse um só argumento pífio, Adams brindou o TCU com outro de igual calibre. Segundo ele, o presidente Fernando Henrique Cardoso serviu-se do mesmo expediente para burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal. E, se o fez, por que Dilma não poderia também fazer? Para o advogado, a soma de dois erros produz um acerto.

Hoje, “imprevisibilidade e surpresa” é o que vive o brasileiro, com seu emprego em risco, tendo de pagar mais impostos, assistindo à estagnação do consumo, à queda da produção, à recessão, ao PIB em baixa neste ano e nos próximos...

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