A emenda constitucional que alterou os impostos sobre a produção e o consumo foi promulgada pelo Congresso Nacional em 20 de dezembro, e estabelecia um prazo de 90 dias para que o governo enviasse ao Legislativo federal outra parte da reforma tributária, desta vez relativa ao Imposto de Renda. O prazo terminou nesta terça-feira e não só o Planalto não cumpriu o que previa a EC 132 como ainda minimizou o descumprimento. “Não tem nenhum problema você deixar de enviar dentro daqueles 90 dias uma parte da reforma do Imposto de Renda. Nós entendemos que nós podemos mandar à medida que os textos vão sendo formatados e dialogados com a sociedade”, afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Em outras palavras, a lei e os prazos previstos na parte já aprovada da reforma tributária – e aprovada inclusive com o voto dos governistas – pouco valem; importa o que “nós entendemos” e, se “nós entendemos” que os prazos inseridos na EC 132 podem ser desrespeitados, assim será. O ministro ainda afirmou que o Congresso certamente preferiria receber algo melhor, ainda que atrasado, a ver os prazos cumpridos com um texto improvisado e necessitado de muitas melhorias. Como se o governo realmente tivesse tido apenas 90 dias para preparar uma reforma do IR, e não um prazo muito mais longo, já que o mínimo a se esperar do Ministério da Fazenda seria que já tivesse um esboço razoável de quais são seus planos para esta parte da reforma tributária, usando este prazo de 90 dias para aparar arestas.
A lei e os prazos previstos na parte já aprovada da reforma tributária pouco valem; importa o que “nós entendemos” e, se “nós entendemos” que os prazos inseridos na EC 132 podem ser desrespeitados, assim será
A impressão que fica deste descumprimento ostensivo é a de que o governo federal não tem a menor ideia do que está fazendo e do que pretende fazer no campo tributário (e em muitos outros campos também). As novelas em torno da tributação de pequenas encomendas vindas do exterior e da tentativa de reonerar a folha de pagamento de 17 setores da economia especialmente significativos em termos de geração de empregos são exemplo disso. Lula e Haddad oscilam entre o uso de balões de ensaio, lançando ideias para testar sua repercussão e recuando quando elas são mal recebidas, e o confronto direto com o Congresso para impor sua vontade independentemente de todo o resto – basta lembrar que a medida provisória da reoneração foi publicada logo após o Congresso ter derrubado o veto de Lula à lei que prorrogava a desoneração.
Além disso, se o governo trata com tanto descaso uma parte importante da reforma tributária, quem pode garantir que os demais prazos inseridos na EC 132 serão cumpridos? O artigo 18 da emenda não tratava apenas dos 90 dias para o envio de uma reforma do IR; ele também dá 180 dias para que o governo apresente os projetos de lei previstos na reforma dos impostos sobre o consumo. A bem da verdade, mesmo o único prazo que o governo respeitou, o de 90 dias para o envio de um “projeto de lei que reforme a tributação da folha de salários”, foi cumprido de forma bem escamoteada, porque o texto é apenas uma reciclagem da MP publicada por Lula para atropelar o Congresso, e que prevê simplesmente um cronograma mais longo para a reoneração – ou seja, muito longe de ser realmente uma reforma.
O empenho que o governo coloca em cumprir os prazos previstos na reforma tributária, o que reduziria a insegurança em torno do tema, é inversamente proporcional ao esforço do Planalto para interferir cada vez mais na economia e, especialmente, nas empresas do setor privado. Se acrescentarmos à lista o desprezo petista pela responsabilidade fiscal e por reformas como a administrativa, e seu amor pelo gasto público ilimitado, já temos um bom desenho das prioridades de Lula para a economia, e que são o oposto completo das prioridades de um país como o Brasil, que precisa de segurança jurídica, liberdade econômica e racionalização da despesa pública.