O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, e o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, tiveram uma tarefa bastante desagradável a cumprir na sexta-feira, dia 4: corrigir publicamente declarações de seu chefe, o presidente da República. Em uma entrevista ao SBT na noite de quinta-feira, Jair Bolsonaro havia dito que sua proposta de reforma da Previdência estabeleceria a idade mínima de 62 anos para homens e 57 para mulheres. No dia seguinte, não só repetiu a afirmação sobre a Previdência como também disse que alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) seriam elevadas para compensar uma prorrogação de incentivos fiscais – o decreto que mudaria as alíquotas já estava até assinado, acrescentou –, e garantiu que o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciaria ainda naquela tarde a “ideia inicial” de reduzir a alíquota mais alta do Imposto de Renda Pessoa Física, de 27,5% para 25%.
Mas, de acordo com Cintra e Lorenzoni, de tudo o que havia sido dito por Bolsonaro, o único fato real era a ideia – e nada mais que isso – de reduzir a alíquota do Imposto de Renda, mas não chegou a haver nem mesmo o anúncio dessa intenção por parte de Guedes. Todo o resto “não era bem assim”. A proposta de reforma da Previdência ainda não estaria fechada, e não houve decreto nenhum sobre aumento de alíquotas do IOF – Lorenzoni explicou que “ele [Bolsonaro] assinou a continuidade do projeto da Sudam e da Sudene”, e que o presidente teria se confundido ao dizer que tinha assinado uma elevação de impostos.
O governo tem demonstrado lucidez quanto ao que precisa ser feito, mas precisa se entender melhor na comunicação
O ministro, no entanto, afirmou que havia, sim, um plano inicial do Ministério da Economia sobre uma possível mudança no IOF, mas que teria sido derrubado pela Casa Civil – uma narrativa bastante conveniente para Lorenzoni, evidentemente, que sai do episódio como o responsável por impedir um aumento de impostos supostamente desejado por Paulo Guedes. Informações de bastidores dão conta de um desgaste entre os dois ministros, motivado pelas movimentações que levaram o PSL, partido de Bolsonaro, a apoiar as pretensões de reeleição do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM).
Divergências dentro de um governo são algo natural – seria irreal esperar que todos os integrantes do gabinete, ou mesmo apenas os membros do “núcleo duro” da equipe de Bolsonaro, concordassem totalmente sobre todos os temas. Assim como algum desencontro há de ocorrer, especialmente no começo de um trabalho. Tais idas e vindas também marcaram a fase de transição, especialmente quando o assunto era a criação ou a eliminação de ministérios. Os desencontros desta sexta-feira dão ao governo uma nova chance de aprendizado, para que tais situações não voltem a ocorrer.
Que Bolsonaro queira ser o portador das notícias boas e ruins, seja por meio de entrevistas, seja em seus perfis nas mídias sociais, é meritório. Mas qualquer ação desse tipo precisa ser muito bem coordenada com sua equipe. Do contrário, acaba-se dando margem a interpretações das mais diversas: que o presidente estaria tratando assuntos importantes com ligeireza; que decide de forma precipitada; que não conversa com seus auxiliares; que as dissensões internas podem estar indo além de uma divergência natural. Mesmo que essas suposições estejam equivocadas, a falta de afinação na comunicação de medidas, especialmente na área econômica, é prejudicial pois só serve para confundir agentes que veem com esperança a possibilidade de o Brasil sair do atoleiro.
Leia também: As “cartas de intenções” de Bolsonaro e seus ministros (editorial de 5 de janeiro de 2019)
Tanto é assim que, de fato, houve uma reação do mercado financeiro na sexta-feira. Não se deveu tanto ao desencontro propriamente dito entre chefe e subordinados, é verdade, mas ao pano de fundo das afirmações e desmentidos, que é a reforma da Previdência. A leitura foi a de que Bolsonaro poderia levar ao Congresso uma reforma da Previdência mais branda que a sugerida por Michel Temer, o que, no fim das contas, faria muito pouco para conter o rombo atual do sistema. Seria um remendo temporário em vez de uma reforma consistente – tudo aquilo que o país já viu antes e de que não precisa agora.
Diz a lenda que, antes do jogo entre Brasil e União Soviética na Copa de 1958, o técnico Vicente Feola havia apresentado uma sugestão de jogada que fatalmente terminaria em gol brasileiro, quando Mané Garrincha perguntou “Tudo bem, seu Feola, mas o senhor já combinou com os russos?” Os adversários, por certo, trabalhariam para dificultar a vida da seleção, mas pelo menos o time brasileiro estava entrosado. Quando, no entanto, os desencontros começam dentro da própria equipe, o resultado positivo se torna uma meta quase impossível de atingir. Que o episódio destes últimos dias tenha servido de aprendizado para um governo que tem demonstrado lucidez quanto ao que precisa ser feito, mas precisa se entender melhor para não prejudicar a execução de planos tão necessários ao país.