Uma pesquisa realizada pelo Ibope entre os dias 14 e 18 captou o sentimento dos brasileiros em relação à nossa democracia. E os resultados mostram uma população dividida entre a desilusão e a fé na democracia em meio a esta crise política e econômica sem precedentes.
É verdade que a confiança nas virtudes que só o regime democrático apresenta continua robusta. Segundo o Ibope, 40% dos entrevistados disseram que “a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo”. Mas essa convicção perdeu espaço: no fim de 2014, quando pesquisa idêntica foi realizada, os que enalteciam o regime democrático desta forma somavam 46%.
O consolo é que essa queda na popularidade da democracia não significou aumento no apoio a ditaduras. Foram 15% os que afirmaram que “em algumas circunstâncias, um governo autoritário pode ser preferível a um governo democrático” – queda em relação aos 20% que pensavam assim em 2014. O que realmente cresceu neste ano e meio foi a indiferença: se em 2014 eram 18% os que consideravam que, “para as pessoas em geral, dá na mesma se um regime é democrático ou não”, agora são 34% os que pensam assim.
Sem democracia, não teríamos Lava Jato, imprensa livre ou as grandes manifestações do “fora Dilma”
É interessante contrastar esses resultados com a avaliação sobre a democracia no Brasil. Ao mesmo tempo em que 40% defendem a democracia como a melhor forma de governo, apenas 14% estão “satisfeitos” ou “muito satisfeitos” com sua aplicação no país – os “pouco satisfeitos” são 34% e os “nada satisfeitos” são 49%. Em outras palavras: a democracia é a melhor alternativa, mas a democracia sob a qual nós vivemos não é aquela com que a maioria sonha.
De fato, os tempos são diferentes e as expectativas, outras. Em novembro de 2014, os brasileiros acabavam de ser bombardeados pela propaganda eleitoral que os chamara a escolher, pelo voto, seus novos governantes. O sentimento de poder exercer a cidadania plena refletia-se em maior satisfação com a democracia.
Mas, de lá para cá, o Brasil passou a conhecer melhor suas entranhas. Percebeu o tamanho da imoralidade da prática política e administrativa vigente; percebeu ter sido vergonhosamente enganado durante as campanhas; testemunhou prisões às pencas de políticos graduados e empresários corruptos; tomou conhecimento da existência de contas bancárias secretas em paraísos fiscais alimentadas por propinas achacadas, entre outros, por políticos da alta hierarquia, como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Insatisfeito e inconformado, o povo foi à ruas para o “fora Dilma”; inflou com uniforme de presidiário o ex-presidente Lula; e criou, enfim, o clima político que culminou no processo de impeachment de Dilma Rousseff, não sem antes horrorizar-se com a sessão da Câmara que, no dia 17 – em meio à realização da pesquisa do Ibope –, aprovou a admissibilidade do processo de afastamento da presidente.
E eis a contradição que escapou aos 34% de indiferentes: é exatamente nesse período que as instituições democráticas mais mostraram sua vitalidade. Se não estivéssemos numa democracia, o país não teria as investigações, as prisões, as condenações e o fim da impunidade de muitos poderosos – tudo devidamente acompanhado por uma imprensa livre e independente; e nem poderia ter ido às ruas contra o governo, como tem feito há mais de um ano.
A democracia é a única forma de governo que permite que as pessoas possam escolher o que é melhor para si mesmas, inclusive como querem ser governadas. É na democracia que podemos ser plenamente adultos e senhores do nosso destino – um sistema autoritário, que nos diz o tempo todo o que fazer, mantém a sociedade permanentemente infantilizada. Sim, o desencanto é natural, mas a democracia exige um longo aprendizado, que também inclui erros. Ainda estamos no meio desse processo; não podemos desistir. Precisamos aprender a votar melhor, mas também que a democracia não se resume ao voto: inclui participação popular constante, envolvimento na comunidade, ação pelo bem comum. Que saibamos defender e proteger nossa jovem democracia.
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