O desfecho da querela sobre a desoneração da folha de pagamento, que começará a ser revertida a partir de 2025, pode ser resumido da seguinte forma: Executivo e Judiciário se juntaram para colocar a faca no pescoço do Legislativo e das empresas, que cederam por falta de alternativas. Afinal, o Congresso Nacional afirmou não apenas uma, mas duas vezes que desejava manter o atual regime de tributação para os 17 setores que mais empregam no país: a primeira vez, ao aprovar a lei prorrogando a desoneração até 2027; a segunda vez, ao derrubar o veto de Lula à lei aprovada anteriormente. Mas, no fim, precisou aceitar uma reoneração gradual com início já no ano que vem.
Tudo isso porque Lula, em vez de se conformar com a derrubada do veto e aceitar as regras do jogo democrático (como havia feito seu antecessor, que passou pelo mesmo processo em 2020), buscou o STF e conseguiu uma liminar de Cristiano Zanin derrubando a desoneração, permitindo à Receita Federal avisar, no início de maio, que o pagamento da alíquota integral deveria ser feito já na próxima segunda-feira, dia 20. Com o prazo exíguo para que as empresas encontrassem dinheiro para uma cobrança que até então não estava em seu planejamento, e faltando apenas um voto para o plenário do STF confirmar a canetada amiga de Zanin, restou ao Congresso e às empresas agarrar o salva-vidas lançado pelos mesmos que resolveram afundar o barco – um procedimento que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ainda chamou de “amadurecimento institucional”, apenas para completar a humilhação.
Não faz o menor sentido que, em condições normais (ou seja, nos casos não contemplados por algum tipo de desoneração), um empregador pague, apenas em encargos trabalhistas, um valor maior que o salário pelo qual contrata o empregado
Como se não bastasse, as empresas ainda tiveram uma semana de agonia, sem saber exatamente o que aconteceria no dia 20. O acordo foi anunciado na noite do dia 9, mas apenas no dia 15 o senador Efraim Filho (União Brasil-PB) apresentou o projeto de lei da reoneração e a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu a Zanin que suspendesse temporariamente os efeitos da liminar concedida por ele. O PL não entrou na pauta do dia 16, mas ao menos o ministro agiu com celeridade: Zanin perguntou ao Congresso se seria capaz de aprovar o texto em 60 dias, recebendo resposta positiva na manhã de sexta-feira, dia 17, e suspendendo sua liminar à tarde. Agora, os senadores esperam votar o projeto de lei na próxima terça-feira, dia 21.
Fato é que todo o episódio parece ter sido completamente desperdiçado para a discussão que mais importa: como acabar de vez com uma das tributações mais absurdas de um sistema tributário absurdo. Não faz o menor sentido que, em condições normais (ou seja, nos casos não contemplados por algum tipo de desoneração), um empregador pague, apenas em encargos trabalhistas, um valor maior que o salário pelo qual contrata o empregado. Há décadas especialistas como José Pastore, da Universidade de São Paulo, apontam para a irracionalidade de um sistema que, ao punir o empresário desta forma por gerar empregos, desestimula o mercado de trabalho em um país no qual o desemprego, embora oscilante, jamais deixa de ser um problema ou ao menos uma ameaça.
No entanto, não há o menor indício de que o governo e a equipe econômica capitaneada por Fernando Haddad, uma vez resolvida a questão urgente, darão prioridade a uma solução definitiva para o problema, que alcance todos os setores da economia. No máximo, fala-se em incluir o tema na segunda fase da reforma tributária – que ninguém sabe quando será proposta, já que a preocupação maior é o projeto de lei que regulamenta a primeira fase, já aprovada no Congresso; de resto, não há nenhuma ideia mais concreta sobre como desonerar de vez a folha salarial das empresas, nem sobre como compensar a eventual perda de arrecadação decorrente dessa desoneração.
Enquanto durar o modelo atual de tributação da folha, empresas que poderiam contratar mais ou remunerar melhor seus funcionários para não perdê-los para concorrentes deixam de fazê-lo, porque o dinheiro que poderiam usar para isso tem de ser direcionado ao pagamento de pesados encargos trabalhistas. A escolha entre elevar o dinamismo do mercado de trabalho e bancar o sustento de um Estado inchado deveria ser óbvia, mas é incrível ver o quão distantes políticos e burocratas estão dos brasileiros de bom senso neste campo.