Receita Federal anunciou que cobrará imediatamente a alíquota previdenciária de 20% sobre a folha de pagamento das empresas que até então eram contempladas com a desoneração da folha.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Em outubro de 2023, o Congresso finalizou a tramitação do projeto de lei que estendia até 2027 a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, considerados os que mais empregam no país, além de manter reduzida a contribuição previdenciária de municípios com menos de 156,2 mil habitantes. Lula vetou a lei, mas em dezembro do ano passado o Congresso derrubou o veto, restabelecendo a desoneração. Os representantes do povo no Legislativo, portanto, haviam dito mais de uma vez, de forma inequívoca, o que desejavam a respeito deste tema. Deveria bastar para qualquer presidente minimamente afeito à tripartição de poderes.

No entanto, sem poder “vetar a derrubada do veto”, o presidente Lula ainda tentou, no fim de 2023, uma cartada em forma de medida provisória, que acabou frustrada; por fim, em uma demonstração de hipocrisia que não surpreendeu ninguém, apelou para o que um dia condenou no discurso, mas jamais deixou de fazer na prática: “em vez de aceitar as regras do jogo democrático de que a maioria vença e a minoria cumpra o que foi aprovado, a gente recorre a outra instância para ver se a gente consegue ganhar”. Convocou a Advocacia-Geral da União, que foi ao STF e encontrou ali a caneta de Cristiano Zanin, que em 25 de abril, por meio de liminar, restabeleceu a reoneração da folha. O ex-advogado de Lula, entretanto, não é o único disposto a ignorar a voz dos parlamentares: Gilmar Mendes, Edson Fachin, Flávio Dino e Luís Roberto Barroso já se alinharam com Zanin para manter de pé a liminar, em julgamento suspenso por pedido de vista de Luiz Fux.

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Nenhuma medida que tenha efeito tão drástico sobre as finanças seja de empresas, seja de entes públicos, privando-os de receita ou impondo-lhes nova despesa, pode ser implementada de maneira súbita

A mera perspectiva de voltar a pagar as alíquotas cheias de contribuição previdenciária, de 20% sobre a folha – em comparação com o valor pago atualmente pelas empresas beneficiadas com a desoneração, de 1% a 4,5% sobre a receita bruta – já bastaria para obrigar boa parte do setor produtivo a refazer seu planejamento de médio e longo prazo. Mas a Receita Federal resolveu ir além e, em pleno feriado de 1.º de maio, afirmou que cobraria imediatamente a alíquota de 20% sobre as contribuições referentes a abril, e que os valores devem ser recolhidos até o próximo dia 20. Ou seja, todas essas empresas receberam apenas três semanas para descobrir como fazer um pagamento nada desprezível, e que certamente não constava do planejamento financeiro de nenhuma delas.

Concorde-se ou não com a política de desoneração da folha (e na qual a Gazeta do Povo, sendo empresa do ramo de comunicação, está contemplada), o fato é que nenhuma medida que tenha efeito tão drástico sobre as finanças seja de empresas, seja de entes públicos, privando-os de receita ou impondo-lhes nova despesa, pode ser implementada de maneira súbita como pretende agora a Receita Federal. O mínimo que se esperaria em uma situação destas seria uma implantação gradual, com elevações pequenas até se chegar à alíquota final – e ainda assim, é preciso lembrar, isso só estaria ocorrendo porque o Judiciário resolveu, mais uma vez, atropelar o Legislativo, cuja vontade era a de manter a desoneração para os 17 setores e as prefeituras elencadas na legislação aprovada.

Existia, no entanto, uma razão para a Receita impor subitamente a cobrança completa: o governo federal precisa desesperadamente de dinheiro para bancar gastos cada vez maiores, já que está fora de cogitação cortar despesas de forma pontual, muito menos realizar as tão necessárias reformas que racionalizem o gasto público. E, para diminuir o rombo, valeria até lançar no caos completo o planejamento financeiro de setores responsáveis por quase uma dezena de milhões de empregos.

Menos mal que, no fim da noite de quinta-feira, governo e Congresso tenham chegado a uma solução negociada que prevê uma reoneração gradual, mantendo a desoneração neste ano e elevando alíquotas a partir de 2025 até restabelecer a cobrança de 20% em 2028, quando a desoneração aprovada pelo Legislativo já tiver expirado. O acordo não deixa de ser uma derrota para o Congresso, pois não corresponde ao que os deputados e senadores quiseram em 2023; mas ao menos a insegurança jurídica aliada à sanha arrecadatória que poderia trazer consequências graves ao mercado de trabalho fica temporariamente afastada.

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