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Ao mesmo tempo em que ganha destaque como fornecedor mundial de alimentos, o Brasil figura como uma das regiões que mais desperdiçam o que retiram da terra. Conforme apuração da Gazeta do Povo baseada em dados técnicos de cada etapa da produção de grãos, 10% da safra fica nas lavouras, estradas, armazéns e portos de embarque para exportação. O quadro pede mobilização do setor e investimentos em pontos de fragilidade.

A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) estima que, mundialmente, cerca de 30% do que se produz são desperdiçados ou perdidos entre o campo e a mesa do consumidor final. Ao deixar 10% da colheita ir pelo ralo, o Brasil torna-se responsável por um terço das perdas nas cadeias de alimentos das quais participa. É como se cumprisse somente 90% das estimativas de safra e não atendesse à expectativa do mercado. Em se tratando de alimentos, o problema ganha extensão social, diante da avaliação de que mais de 900 milhões de pessoas não têm acesso à alimentação necessária para manter sua saúde.

O problema, que só para a cadeia da soja representa prejuízo de R$ 5 bilhões ao ano, parece não estar sendo levado a sério como deveria. Não basta que os produtores e transportadores se endividem comprando colheitadeiras com sensores de perdas ou caminhões com carrocerias mais bem vedadas. Estradas esburacadas, armazéns antigos e mal-equipados, portos com carregamento artesanal dependem de maior comprometimento e sensibilidade do poder público.

O Brasil pode, sim, reduzir o desperdício de alimentos em poucos anos. Não é difícil encontrar referências sobre o que precisa ser feito. Carregadores portuários com o rosto coberto de poeira, presentes o ano todo em Paranaguá, são raros nos Estados Unidos, maior concorrente do Brasil na produção agrícola.

O porto brasileiro que mais escoa grãos não tem estrutura com eficiência que possa ser comparada à dos portos norte-americanos dispostos ao longo do Rio Mississippi – que corta o cinturão da produção nos EUA, o corn belt. Por lá, os caminhões chegam, estacionam sobre rampas vazadas e despejam a produção sem acúmulo nas grades. As cargas passam por secagem e vão para as embarcações mecanicamente. Na Europa, os terminais que recebem a produção brasileira automatizam ao máximo o desembarque e se mantêm tão limpos quanto os nossos pátios de contêineres. Na verdade, até mais limpos. Em Paranaguá, a poeira dos grãos cobre as mercadorias de terminais próximos a ponto de os importadores de veículos terem de cobrir parte dos automóveis para preservar a pintura.

A aparência dos portos está ligada à natureza das atividades portuárias, é claro. Porém têm sido um forte indicador das perdas no Brasil. Termômetro similar são as estradas, que ficam com os acostamentos salpicados de soja na colheita de verão, quando o escoamento direto da lavoura para os portos ganha força. Quem nunca dirigiu atrás de um graneleiro que praticamente despeja soja, milho ou trigo no asfalto? Carrocerias de madeira, com frestas e malvedadas, percorrem centenas e até milhares de quilômetros entre as regiões produtoras e as indústrias e portos. O prejuízo, nesse caso, é proporcional à distância e atinge porcentuais além das médias.

Segundo o setor produtivo, o maior volume de perdas ocorre nos armazéns. Sem financiamentos suficientes para estimular a modernização dos silos, o agronegócio custa a se adaptar a normas discutidas há pelo menos uma década. Agora, o novo prazo é 2017, conforme o Ministério da Agricultura. E já existem estimativas privadas de que um terço das unidades de armazenagem não vai conseguir se adaptar. O processo exige, em muitos casos, a construção de complexos novos. Em outros, alterações estruturais e qualificação profissional.

Há muito a se fazer em relação à própria gestão do problema. O país ainda não conta nem sequer com mecanismos consensuais de monitoramento do desperdício. Uma reavaliação da dimensão dessas perdas, envolvendo todos os setores – colheita, transporte, armazenagem, embarque –, deve ser realizada a partir de 2012. E, se o resultado for além dos 10% estimados atualmente, não será surpresa.

Com potencial de produção de 165 milhões de toneladas de grãos em 2011/12, o Brasil vem ampliando a colheita continuamente. O campo abre novas áreas e avança também em produtividade. Trata-se de uma evolução cara, que depende de investimento em terras, máquinas e tecnologia de produção. As perdas de 10% dos grãos levam embora parcela significativa desses esforços.

Para se consolidar como produtor de alimentos eficiente, ganhar mercado e cumprir seu papel no combate à fome, o país não pode se dar o direito de jogar tanto alimento no lixo. É verdade que, conforme a própria avaliação da FAO, a maior parte das perdas ocorre na distribuição final e na casa do consumidor. Mas todos os esforços são válidos para que a cadeia produtiva deixe de ser responsável por um terço do desperdício.

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