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Editorial

Desvincular é preciso – mas não agora

O senador Márcio Bittar, relator da PEC Emergencial, incluiu no texto o fim dos gastos mínimos obrigatórios com saúde e educação. (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad)

Diante da promessa, feita na semana passada, de que a PEC Emergencial seria votada no Senado nesta quinta-feira, quem preferiu ver para crer acabou com a razão. Não houve nem mesmo a apresentação da proposta no plenário e o início das discussões. O período para a apresentação de destaques ainda foi ampliado e, graças ao prazo regimental exigido de cinco sessões deliberativas, na melhor das hipóteses a votação ficará para a semana que vem – o presidente da casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), agora promete que a próxima quarta-feira será o dia decisivo. O atraso se deve, em boa parte, ao impasse sobre uma inclusão significativa feita pelo relator, o senador Márcio Bittar (MDB-AC).

Pelo anúncio feito no dia 18, a PEC teria a introdução de uma “cláusula de calamidade pública”, que permitiria aos governos gastar além do permitido pelas regras fiscais sem serem responsabilizados, com contrapartidas muito pífias, limitando-se à proibição de novos gastos, mas sem impor cortes em outras despesas – o mecanismo permitiria, por exemplo, o pagamento das novas rodadas do auxílio emergencial. No entanto, Bittar acrescentou o fim da obrigação constitucional de aplicar um porcentual mínimo da receita em saúde e educação. Hoje, há a exigência de se gastar com educação pelo menos 18% da receita de impostos para a União, e 25% dos impostos e recursos oriundos de transferências no caso de estados, Distrito Federal e municípios. Para a saúde, os porcentuais são 13,2% para a União, 12% para estados e Distrito Federal, e 15% para municípios.

Desindexar, desvincular e desobrigar são etapas necessárias para permitir políticas e investimentos hoje impossíveis de realizar, mas esta é uma discussão para depois que a pandemia passar

Não há como excluir a hipótese de que Bittar tenha incluído esse trecho na PEC para figurar como o proverbial “boi de piranha”, colocado ali única e exclusivamente para ser derrubado e deixar a oposição satisfeita com o restante do texto, que constitui o coração da emenda. Até porque as contrapartidas previstas, como afirmamos, já são bastante amenas, e pretender retirá-las enviaria um sinal ainda pior ao mercado, como alertou o Tesouro Nacional. Mas, supondo que o relator esteja realmente disposto a lutar pelo fim das vinculações constitucionais, como avaliar uma medida com tamanho efeito sobre o orçamento e sobre a prestação de serviços básicos ao cidadão?

Os chamados “três Ds” – referência a desvincular, desobrigar e desindexar – defendidos pelo ministro Paulo Guedes desde o início do mandato são, de fato, importantes. Como escreveu Bittar no relatório, “somos os recordistas em rigidez orçamentária na América Latina, com espantosos 94% dos recursos carimbados”. Não há governante que consiga colocar em prática suas plataformas dispondo de apenas 6% dos recursos federais – e o valor final para investimentos costuma ficar ainda abaixo disso.

Há bons motivos para defender o fim dos mínimos obrigatórios, a começar pela ideia de modelo único imposto a todo o país, sem falar da mudança no perfil populacional e nas demandas por serviços públicos – é o caso, por exemplo, da queda no porcentual de crianças e adolescentes e do aumento do número de idosos. A obrigatoriedade de empenhar determinada quantia nas duas rubricas é porta aberta para projetos ineficazes, colocados no orçamento com o único objetivo de cumprir a exigência constitucional, quando não para a corrupção. Por fim, ao menos no caso da educação, já há muito se sabe que a real diferença na qualidade não vem tanto da quantidade aplicada, mas de como esse dinheiro é gasto.

Mas esta é a hora errada de fazer a desvinculação. Este debate tem de ser feito no parlamento de forma serena, não com a pressa necessária neste momento para a aprovação de um auxílio emergencial. E o mais importante: precisa ocorrer em condições de normalidade, não em meio a uma pandemia que exige ainda mais recursos para a saúde. Além disso, associar a desvinculação ao auxílio emergencial deixa no ar a ideia de que o maior objetivo com o fim dos mínimos constitucionais é liberar recursos no orçamento para se poder pagar o auxílio, mais uma confissão da incapacidade crônica do governo de encontrar algumas dezenas de bilhões de reais que poderiam ser cortados para dar lugar aos recursos exigidos para o pagamento do benefício.

O Brasil não tem condições de se desenvolver com um orçamento extremamente engessado com o atual. Desindexar, desvincular e desobrigar são etapas necessárias para permitir políticas e investimentos hoje impossíveis de realizar, e esse raciocínio também se aplica aos mínimos constitucionais para saúde e educação. Nenhum gestor digno do nome deixará de investir o necessário nestas áreas, e será cobrado pela sociedade caso as negligencie. Mas ele não precisa estar amarrado a exigências de investimento mínimo para fazer bem seu trabalho, e mais liberdade lhe permitirá também atender outras prioridades. Esta, no entanto, é uma discussão para depois que a pandemia passar.

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